agosto 29, 2006

Dizer Minúsculo

sei de ti
apenas em mim:
quando esta saudade
abre as asas
sobre meu/teu coração

então choro


albanegromonte

Cronopiando...

A vida é breve.
O amor dura uma estação
Então porque você não me pede pra voltar?

albanegromonte

Do Teatro


Fóssemos infinitos
Tudo mudaria
Como somos finitos
Muito permanece.

Bertold Brecht

Cimitarra Branca


não é sempre, mas quase.
o certo, é que o incerto bate na porta da razão e grita surdamente: nunca mais de novo.
dá mesmo é vontade de sorrir do absurdo que antecede este dizer assim meio valente, um tanto de coragem de cavaleiro de cruzada, sem espada, sem cavalo, olhando pras cimitarras brilhantes embaixo do sol inclemente do lado oriental do mundo.
(que coisa mais boba de imaginar, em plena era matrixreloadedminorityreport).
e como era mesmo o nome da princesa das orelhas pontudas que sorria na versão oscarizada de lordoftherings ? aquele tal Tolkien que me ensinou a crer em fantasia além de Alice&Lewis. sem o mal, não sobrevive o bem... não é?
penso assim: Deus precisa do Anjo Negro para reforçar sua presença nos corações&almas humanas.
é... não deveria ser sempre, nem certo o anteceder da vingança ser
o mal feito, o mal dito maldito, o nemquerosaber...
eita! a língua afiada agora chicoteia a razão, mas a emoção não pára
e continuo zangada com você e repito até que o eco da montanha mannistica se canse, e grite uma resposta diferente da minha perguntinha bola de gude:
quando vou te ver além deste espaço?
sinuca de bico, tempestade no céu da boca sem nuvens, rolando na língua o chocolate que a moça do restaurante me deu por baixo do balcão, piscando o olho,
irreverente olho de vidro.
então faça as malas e vá pra estação que o trem das doze já vai sair pra trazer você pra mim.

albanegromonte

Primeiro Texto


tive todas as respostas, menos uma que me dissesse de ti o que sentes.
e no azulejo frio do banheiro, derrama-se a espuma do poema que te faria hoje, se não fosse ontem o teu silêncio de tudo.

(pousa na janela um rouxinol.
canta em si maior, a canção mais bela que meus ouvidos treinados em gritos de dor já ouviu nestes tantos anos de noites insones e cheias de sabedoria).

tenho todas as perguntas, menos aquela que me dará a resposta ansiada, desejada.
amaldiçoada pergunta que não chega até a ponta dos dedos que correm furiosos pela tela vazia, pela folha em branco que alça vôo pela janela em direção ao mar.
maldita resposta que te revelará a verdadeira face do desencanto de mim.
maldito querer esse que se chegou quando eu estava tão bem cá no escuro, com frio, morta de medo, mas sem a saudade incômoda do que nunca aconteceu e nem acontecerá.

uma mulher sobe as escadas do prédio arrastando as sandálias quebradas.
ponta de cigarro queima no tapete da sua sala e ela não sabe que morrerá queimada esta noite.
que o som dos tambores acolherá seus gritos de socorro, e antes que o dia termine
seu corpo carbonizado descerá ao Inferno envolto em brumas de um Avalon qualquer.

(diz-se que o Céu ou o Inferno, são a imagem poética que trazemos em nossas mentes desde os principios dos Tempos)

e não há cólera, trovão ou tempestade
que despetale a flor do esquecimento que brota no meu peito cheio de cicatrizes.
punhais de prata e balas de ouro, seguem zunindo meus lábios, e bebo um cálice de Absinto pra esquecer da dor
que é viver.

viver é difícil, perigoso e doloroso.
a vida nunca me foi fácil.
nunca vi Príncipe Encantado, nem tive nada caído do céu.
a não ser chuva, quando eu estava desprotegida e sem dinheiro pro taxi.

tem uma rua em Paris, que eu queria conhecer.
um filme com a Rita Hayworth que eu queria assistir.
um poema de Pessoa que nunca li.
um Cortazar que nunca tive.
mas não há tempo pra distrações.

a vida pesa e me leva pelas tormentas diárias, e
acordar cedo, dormir tarde, ouvir o barulho do motor, ter como carícia no final da noite dez travesseiros sobre a cama que amanhecem inesperedamente entre as pernas, é o que tenho pra correr, pra desesperar, pra me esperar.

a vida, meu amigo, dói pra quem não é santo nem puta.
a vida é revés.
é planta carnívora, esfinge de botequim: decifra-me e te devorarei do mesmo jeito, no final de tudo.
a vida é o prenúncio da Morte.
e a Morte é o descanso do guerreiro sem causa.
é a bandeira branca que se desfralda quando já não se aguenta o torpor, a miséria, a solidão e o sal das lágrimas derramadas já enche um pote de vidro.

a vida se esparrama pela ladeira, quebra os vasos onde guardamos as violetas, e se faz em cores de Almodóvar pelos vestidos de Frida Kahlo.
a vida exige um poema de Bernardo Soares (o heterônimo desprezado).
a vida quer ser filmada por Tarantino, estrelada por Jonh Turturro e Angelina Jolie.
a vida é uma página de jornal onde você lê seu obituário e não acredita que já se passou tanto tempo que você está do outro lado do espelho e o que está sendo vivido e morto agora, é apenas o reflexo invertido da soma das hipotenusas de Einstein, que são tão tristes quanto uma tela de Munch.

a vida, deste lado do espelho é a morte.
irmãs siamesas desde o Caos até o Apocalipse.
e só se desfazem em duas quando sempre foram unas, quando o nó do destino refaz o caminho desta hora até o dia em que você nasceu
e chorou pela primeira vez. como quem já sabia o que lhe esperava neste canto desgovernado, sem eira, sem porteira, nonada de Rosa 50 anos de incompreensão, e sem setas indicativas que é o Planeta Terra.

albanegromonte

em 2oo5

Credo Enigma


creio que há Anjos andando pela Terra
creio em Sereias, Duendes e Dragões.

creio nos Cristos ressucitados das religiões várias doMundo
e que Jesus foi o mais sábio
creio nos Evangelhos Apócrifos
creio em Marcos, João, Mateus e Lucas

creio em Pasárgada, Kripton, Gotham City
creio na Atlântida e no País das Maravilhas

creio em Bruxas e em Vampiros
creio em Fantasmas, em Discos Voadores
creio em Cegonhas e em Peter Pan

creio que o Amor é a grande Força
que Dinheiro traz Felicidade
creio na vida além da Morte
creio que o Inferno é aqui

creio em Aquiles, Ulisses, Édipo
creio em Zumbi, Lampião Cazuza , Cassia e Renato
creio em Mickey e em Branca de Neve

creio que Borges ficou cego antes de saber
creio que Ernest não queria se matar
nem Sílvia, nem Ana, nem Torquato, nem Virgínia
creio que Poetas têm tanta sede de Vida
que experimentam a Morte só pra ter Certeza

creio no Fenix que renasce
creio em Ninjas e Samurais
creio que alguém de fato sabe escrever Hai-Kais e Sonetos
creio em Versos Livres e Poemas Concretos

creio que Federico ainda está vivo
que Bandeira mora numa Estrela
e São Jorge dorme na Lua três vezes por mês
creio que Vinícius toma um whisky com Tom todas as Noites,
antes de subir ao Céu pra dormir com uma Morena

creio que ainda vou crer que existe Razão
qualquer
para que eu esteja Aqui e não Ali,
do outro Lado
?

(Lado)
musgo, pedra, ostra
repolho, acúleo, celacanto
alga marinha, coelho atrasado
gato sem botas
árvore com folhas vermelhas
ou gota de água
belisco de brasa
flagelo de vento
pedaço de pano roto
letra mal escrita
palavra mal dita
chinelo usado
chave perdida
elo de corrente
alguma estrada pra lugar nenhum
sombra de fantasma
desejo de condenado
bola de neve no meio do deserto?

(Esse)

creio que estou Nesse e não Naquele
Lado do rio que passa bem longe,
mas que molha o Chão da tua Casa
através das Telhas
da calha
das minhas Lágrimas
mergulhos etéreos de um Nada que poderia ser Tudo
se assim estivesse Escrito
no meu Credo

albanegromonte

agosto 27, 2006

Cinema 2

Chet Baker & His Sax
experiência beat após a leitura de Cinema 2 by Eduardo Barrox


é de manhã na américa o cio... abro a janela e fecho a porta, pois sem tua voz por aqui, ainda que sonhada, nada tem direção e nem mesmo as cortinas se descortinam, apenas se entregam às traças e se arruínam no pó da velha fita de filme noir que alguma beat person, imaginou fazer e saiu colando cenas de Tarantino, Kubrick e Jerry Lewis... ah, mas eu queria mesmo era te alcançar através dessa estrela que teima em brilhar no céu do meu ainda límpido olhar que o selvagem mundo não corrompeu. mas meu coração está corrompido, bêbado e viciado nesta coisa de ouvir música ao longe e acreditar que Morrison e Rimbaud são o mesmo poeta e que ninguém morreu naquele edifício tombado num longínquo setembro negro de tanto horror, que se repete porque o bicho homem quer, numa estação de metrô na fria London da música que o Caetano escreveu quando estava no exílio. mas eu dizia que a mulher-menina fumava compulsivamente, enquanto a taça de vinho tinto desmaiava sobre o altar de mármore, lentamente, como se fosse o sangue do Cristo que não sofria, mas sorria braços abertos e coloridos para um mundo que seria diferente pois Adão e Eva teriam decidido ser amigos e a serpente, transformada na prostituta atávica, se trocava na janela em frente, enquanto o poeta lusitano se quedava diante do cinema 2 que um paulista doido varrido embaixo do tapete do hospício escreveu enquanto ia de bicicleta pro dentista no outro lado da cidade. e que cidade grande é São Paulo. Iorque tupiniquim com seus artistas práticos e plásticos, cidade de pedra e almacoração, onde se sonha que um dia, será criado o raio que purificará o céu, e enfim estes artistas que zanzam pelas praças com seus jornais possam ver as estrelas e o luar que eu vi quando voltei um dia pro sertão onde ser tão bobo é bom. e o andarilho descalço na minha caneca toma comigo as palavras de um livro maldito chamado o coração das trevas que leio enquanto espero o telefone tocar, e escondo a capa pra ninguém saber que eu sei que todo o universo cabe numa casca de noz, e quem disse isso foi o Joseph Conrad. aí, eu ouço no rádio que um pedreiro bêbado foi encontrado morto dentro do concreto desarmado numa rua antiga da minha cidade... penso que se eu fosse o Chico eu fazia agora mesmo uma superprodução chamada Construção e filmava todo em P&B, deixando só o sangue do operário em vermelho bem vivo, da cor do vinho tinto que se espalha pelas minhas veias e como os pequenos raios que borram o ex-branco dos meus olhos que agora, depois que te conheceram, reaprenderam a chorar de esperas insensatas e incautas, tantas vezes avisadas pelos magos de plantão e pelos anjos expulsos do Paraíso por acreditarem em amor e beijonaboca. com língua e tudo. quanto tempo vai levar minha alma pra ser vendida pela tua indiferença ao primeiro personagem de crônica barata que nem se lê de tão comoventemente depressiva. que segredos terei que revelar até que meus nervos se soltem dos músculos e meu corpo atormentado seja liberto deste bemquerersemquerer... mas eu dizia que ia fazer um cinema 3, e me surgiram estas abarrotadas palavras sem fé, que se lançaram tristemente nesta tela tola de um computador que se chama Jorge e se alguém perguntar o porquê eu vou ficar sem saber se pelo Borges ou pelo Santo que nem é mais Santo nem nada, e que pretende matar o dragão que cavalgo em pêlo, pelas pradarias de Tupã e Odin. Vade retro! Tela vazia, pois o cinema 2 acaba nele mesmo, naquela cena em que a mulher dorme ao lado dele na cabine elétrica do carro em alta velocidade, com o vento a carregar as notas do sax de Bird, e ele balbucia um verso de Ferlinghetti pra não esquecer que também é poeta. Corta! Ele vasculha a bolsa dela, à procura de um cigarro pra voltar a fumar, sorri meio cínico e pensa que também foi corrompido no fim de tudo. Letreiro descendo. Angelina Jolie, Edward Norton, Sean Penn e James Bond. Música incidental da cena dela de olhos abertos beijando uma mulher. Antonio Banderas, Keanu Matrix Reeves, Anjelica Houston e A Pantera Cor-de-Rosa De repente, um fado, e a puta portuguesa sorri pro Poeta e lhe lança um beijo através da vidraça. Aí já começa outro filme.

albanegromonte

Da Série Beija-Flor

pois é de esperança que a gente vive...

é urgente que te diga.
meu coração já é teu.
antes mesmo que o pedisses ou desejasses.
antes mesmo que as galáxias sem fim te enviassem mensagens codificadas em morangos doces no fim da temporada.
é preciso que te diga.
e é urgente.
que me pula no lado esquerdo do peito, uma alegria sem fim, quando tua risada se solta via nuclear e me atinge em cheio no centro da felicidade que eu nem mais sabia existir além do credo que rezava de joelhos pra não morrer desamando.
e é preciso, é mesmo necessário que te diga, o quanto de milhares de beijos vou depositar na tua boca, antes que digas:
oi, prazer em te conhecer.
quanta poesia derramarei em teus ouvidos antes que reconheças minha voz no telefone, ainda que ligue de um orelhão abandonado no metrô escuro e pegajoso que nem minhas mãos a te procurar conhecer, antes que o tempo que será tão curto se passe e eu nem possa dizer, que tu, sim, és o meu beija-flor escondido atrás das colunas de mármore que falsamente me me mostravam uma face que não era a do Amor, mas que me ensinou a reconhecer a dor de te dizer até já, meu bem, quando o monstro alado criado pelo homem me levar à tua rua, à tua casa, à tua pele, a teu cheiro, à tua voz amada e sonhada inúmeras e incontáveis vezes em que me procurei pensando em ti de olhos fechados... ou que este mesmo monstro se vire pro meu lado e te traga à minha rua, à minha casa, à minha pele, e o meu cheiro, à minha voz por ti inventada, à minha boca por ti já beijada em sabores de outras que nem notavas...
e sei, que sei...
e tenho certeza que há um gosto de menta no teu beijo que vai encontrar meu lábio pintado, desenhado, poetizado num dizer único de paixão antiga, ainda que cega, ainda que surda por alguns dias, mas que sempre houve dentro do meu peito, dentro do meu olhar envidraçado, vidrado no teu, relato fotográfico de tantas vidas atrás...
mas sei que haverá um blues tocando, uma gaita serena, um miado de gato, e um suspiro demorado quando me olhares na alma e me reconheceres como aquela que procuraste há tanto que até esquecia que a temporada de morangos já começara, terminara e a festa agora é que vai acontecer.
eu sei.
e é urgente que saibas, pois se teu anjo da guarda estiver dormindo quando chegar ao alcance do teu olhar, nunca mais te verás livre de mim- beija flor de amor que nem se sabe o tamanho ou a cor, mas que já estava escrito nas nuvens de algodão-golfinhos-ornitorrincos e otorrinolaringologistas quaisquer que inventares pra me confundir.
eu estarei aí, e se me for permitido pelos deuses todos que clamamos nas noites vazias, fincarei minha bandeira no teu coração, e de lá só saio quando morrer.

albanegromonte

Número Da Paixão


na corda bamba quero ser teu contrapeso
no número das facas assoviar nos teus ouvidos
no globo da morte quero ser teu copiloto
no vai e vem do trapézio quero ser quem te segura

quero te acompanhar pelas ruas do rio sorrindo ou chorando
quero me molhar todinho só pra te deixar sequinha nesse temporal
quero te abraçar apaixonado sentir teu coração pulsar
quero te beijar do oiapoque ao chuí, bem te vi

porque eu sei que teus cabelos são tempestades que me alucinam
que despencarei cada vez que subir nos teus andaimes
que me esfaquearei transtornado com suas sutis insinuações sobre
o tempo

que me transmutarei em nêspera cada vez que me disseres:
hasta luego, luz del fuego
que vagarei sem esperanças quando não mais fizeres parte
dos meus próximos capítulos que capitularei enfim, com a cabeça espatifada nos escombros
do meu próprio coração

Chacal

Nem Só De Números Vive Esse Coração






Recebi esta poesia do meu amigo J., que é engenheiro, mas não é uma máquina de fazer contas. Este meu amigo teve o prazer de ver o Carlos em vida, a recitar poesia pelos becos de Ouro Preto.
Namasté, J., e aquela coisa toda, sempre.





Acordar Viver

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento
qualquer acontecimento
que lembra a terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?
Ninguém responde, a vida é pétrea.

Carlos Drumond de Andrade

James Dean, Cronopio Veloz


There was a boy / A very strange and enchanted boy / They say we wandered very far / Very far / Over land and sea. (“Nature Boy”, de Eden Ahbez, 1948)

“Aquele cara tem que parar!”
Mas o cara não parou. E o Ford sedã branco, que inadvertidamente invadira o cruzamento da estrada 466 (hoje 46) com a 41, nas proximidades de Paso Robles, na Califórnia, bateu de lado no Porsche Spider prateado que vinha afrontando o perigo e desafiando o lusco-fusco do sol poente a 140 km por hora. Contemplando os escombros, uma testemunha do desastre comentou: “O Porsche mais parecia um maço de cigarros amassado.” De acordo com a perícia, faltava um minuto para as seis da tarde quando os dois carros se chocaram. Donald Gene Turnunpseed, motorista do Ford, sofreu apenas escoriações na testa e no queixo. O mecânico Rolf Wuetherich baixou hospital com fraturas sérias no queixo, nas pernas e luxações por todo o corpo. Estava ao lado do motorista do Porsche e nunca mais pôde esquecer de seu último grito: “Aquele cara tem que parar!” Mas o cara não parou e James Dean, o estranho e encantado rapaz a seu lado, emudeceu para sempre. Já era noite alta quando a notícia chegou a Hollywood. “O garoto morreu!”, berrou Henry Ginsberg ao telefone. Do outro lado da linha, Stewart Stern nem perguntou de quem se tratava; desligou e foi curtir sua amargura perambulando pelo Sunset Boulevard. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, o garoto terminaria entre ferros retorcidos por uma louca disparada. Mas não tão cedo. James Dean, o Rodolfo Valentino da Era do Rock, tinha apenas 24 anos – e somente um filme, “Vidas Amargas” (East of Eden), de Elia Kazan, conhecido do público. Stern, grande amigo de Dean, escrevera o roteiro de “Juventude Transviada” (Rebel Without a Cause), o segundo filme estrelado pelo ator. Ginsberg, produtor de “Assim Caminha a Humanidade” (Giant), a derradeira aparição do ator na tela, fora um dos primeiros a tomar conhecimento do acidente, junto com alguns dos integrantes da equipe do filme, que, naquela fatídica sexta-feira, 30 de setembro de 1955, assistiam ao copião das últimas cenas filmadas, numa cabine da Warner. Fazia uma semana que Dean concluíra sua participação em Giant. Elizabeth Taylor, sua principal estrela, desmaiou nos braços do diretor George Stevens, o arauto da tragédia. Ao funeral, em 8 de outubro, em Fairmont, minúscula cidade rural de Indiana onde o ator fora criado, Liz Taylor limitou-se a enviar flores. Três mil pessoas compareceram. Quando o esquife baixou sepultura, o reverendo Harvey encomendou a alma de Dean com um grandiloqüente clichê cinematográfico: “A carreira dele não terminou. Apenas começou. E agora é o próprio Deus quem dirige a produção.” Mas ainda havia na Terra duas produções inéditas. “Juventude Transviada” estreou no cine Astor, de Nova York, três semanas depois do enterro, oferecendo à posteridade o supremo estereótipo da delinqüência juvenil pré-drogas: “James Dean é Jim Stark, um rapaz que pensa que para ser bom é preciso ser mau.” Explorando o glamour da rebeldia adolescente (na França o filme intitulou-se La Fureur de Vivre), Hollywood lançava um novo subgênero cinematográfico. Em seu rastro nascia a mais necrófila e duradoura idolatria que a sociedade de massa já manipulou. Quase ninguém resistiu. Quatro meses depois, nas página da revista “Cahiers du Cinéma”, François Truffaut, que tinha a mesma idade de Dean, comparava o finado ídolo a uma tenra flor do mal baudelairiana. Em seu artigo semanal para o jornal “Arts” ampliaria a exegese: “Em James Dean a juventude atual se identifica por inteiro, não tanto por causa da violência, do sadismo, da histeria, do pessimismo e da crueldade, mas por outras coisas infinitamente mais simples e corriqueiras: o pudor dos sentimentos, a fantasia permanente, a pureza moral sem relação com o mundo corrente, o gosto eterno da adolescência pelo desafio, pela embriaguez, pelo orgulho e mais o seu desgosto de se sentir fora da sociedade, pela recusa e pelo desejo de nela se integrar, e finalmente pela aceitação – e pela recusa – do mundo tal como ele é.” Com James Dean o jovem atingira finalmente a modernidade. Ser um jovem moderno na década de 50 era ser diferente dos pais do blue jeans ao topete. Data daquela época a expressão conflito de gerações, maná sociológico que Hollywood explorou com as simplificações freudianas exigidas pela concorrência do superficialismo televisivo. Nas telas agigantadas pelo CinemaScope, uma torrente de crises de identidade, ansiedades sexuais reprimidas, lares destroçados, pais castradores e filhos carentes soterrou por uns tempos as questões sociais valorizadas no final da década anterior. “Fale comigo, pai!”, implorava Jim Stark, o rebelde sem causa de “Juventude Transviada”. Mas o pai não sabia como atravessar o abismo que os separava. Cal Trask, o bíblico adolescente de “Vidas Amargas”, também tinha problemas com o pai. Na cena final, os dois ensaiavam um diálogo, paradoxalmente mudo: o pai silenciado por um derrame cerebral, o filho emudecido por um choro convulsivo. Com Cal e Jim, James Dean criou dois majestosos ícones da orfandade afetiva. Jett Rink, o enjeitado que em Giant fazia da personagem de Mercedes McCambridge sua mãe postiça, completaria a galeria. Projeções cinematográficas de si próprio (Dean perdera a mãe aos nove anos, fora abandonado pelo pai e criado pelos tios), Cal, Jim, Jett pareciam só querer da vida o que ensinava a última estrofe da canção “Nature Boy”, a preferida do ator: “A maior coisa que a gente aprende é amar e ser amado.” Quando Giant finalmente estreou, em outubro de 1956, o culto ao transviado número um da América batia recordes de absurdos em todos os quadrantes. “James Dean não morreu!”, proclamavam as publicações sensacionalistas, repetindo a mórbida cantilena de que o ator, com o rosto deformado durante o desastre, se refugiara em local ignorado. Já haviam feito o mesmo com Valentino, 30 anos antes, e repetiriam a dose 21 anos depois com Elvis Presley. As revistas supostamente menos picaretas não ficaram muito atrás. “Você pode fazer James Dean viver eternamente”, prometia na capa a “Motion Pictures”, de outubro de 1956. Como? Caindo na esparrela do lúgubre consumismo desencadeado pela indústria de suvenires: fotos, posters, réplicas da máscara mortuária do ator, anéis supostamente enfeitados com pedaços do mármore de sua tumba, medalhas e chaveiros supostamente forjados com a sucata do Porsche Spider – que, por sua vez, acabaria sendo a mais procurada atração de uma exposição automobilística montada em Hollywood, em dezembro daquele ano. Nenhum outro defunto recebeu tantas cartas (8 mil por mês em 1956) e as que sobravam para os seus comparsas não eram menos doentias. Julie Harris, sua companheira em “Vidas Amargas”, quase foi à loucura de tanto ser indagada sobre como era ser beijada pelo ator. Havia também pedidos de relíquias. De todo jeito e feitio. Até pedaços de alguma parede que ele tivesse tocado servia. Seu túmulo permaneceu pouco tempo a salvo do vandalismo de suas viúvas espirituais. Nem os arquivos da Warner escaparam à pilhagem dos fãs. Quando neles foi garimpar subsídios para seu livro, “James Dean: A Short Life” (Signet, 1975), Venable Herndon levou um susto. Ainda assim produziu uma das mais alentadas biografias do ator. Outra recomendável é a de David Dalton, “James Dean: The Mutant King” (Straigth Arrow Books, 1974). Aos que apreciam divagações esotéricas, Robert Wayne Tysl ofereceu o máximo ao discorrer sobre a “continuidade e evolução num símbolo público”, investigando “a criação e comunicação da imagem de James Dean na América.” Sim, era o que parece: uma tese de doutorado, com 670 páginas, cometida em 1965. No Brasil, como de hábito, reagimos por osmose, envergando jaquetas de nylon cor de salmão, contemplando o mundo de esguelha, esboçando sorrisos espasmódicos e copiando os demais tiques que o felino Dean vampirizara de Marlon Brando, que, apesar de pioneiro, deu o “azar” de morrer velho e gordo. Ou seja, não levou a sério a máxima de Oscar Wilder, que Dean, aliás, adorava citar: “Morra jovem e seja um belo cadáver.” Foi da França, escrita por Yves Salgues, no melhor estilo rosa bom-bom, que chegou até nós a primeira hagiografia do ator, traduzida em 1957 pela editora Vecchi. Só não extasiou quem tivera acesso ao primeiro livro sério de reminiscência sobre o ator, publicado um ano antes por William Bast, companheiro do ator desde os tempos em que ambos estudaram arte dramática na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Pela primeira cinebiografia, “The James Dean Story”, documentário dirigido por Robert Altman em 1957, ficamos um bom tempo chupando o dedo. Outros mais foram feitos e afinal vistos (um dos quais incluído como bônus do recém-lançado DVD de “Vidas Amargas”), e o próprio Altman chegou a montar uma peça evocativa, “Come Back to the Five and Dime, Jimmmy Dean, Jimmy Dean”, que em 1982 adaptou ao cinema e aqui exibiram com o título de “James Dean, O Mito Sobrevive”. A mitificação de James Dean atingiu seu ápice no Brasil pouco antes do lançamento comercial de seu último filme. A primeira exibição pública de Giant deu-se na semana de pré-estréias do Festival A História do Cinema Americano, organizado pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1958. Às 11h da manhã, as filas já dobravam a esquina mais próxima do cine São Luiz, no Largo do Machado. A platéia assistiu em sepulcral silêncio à longa primeira parte do filme. Nela, Dean não aparece. À medida que o casal Elizabeth Taylor-Rock Hudson ia-se aproximando de Reata, o rancho de Hudson, numa descomunal planície texana, um frisson começou a tomar conta dos espectadores. Estava chegando a hora de Jett Rink entrar em cena. Quando, em close, ele entrava, debruçado disciplicentemente sobre um calhambeque conversível, espiando como um gato vadio a festiva chegada dos seus patrões em lua-de-mel, a platéia vocalizou em uníssono um orgástico “ohhhhh!’ Se ainda vivesse, James Byron (como o poeta favorito de sua mãe) Dean estaria hoje com 74 anos e provavelmente careca. É de se supor que teria feito uma fortuna como ator, eventualmente recuperado os dois Oscars (póstumos) que injustamente perdeu (para Ernest Borgnine, em Marty, e Yul Brynner, em O Rei e Eu) e roubado outros papéis a Paul Newman, que lutou em vão para interpretar Cal Trask em “Vidas Amargas”, mas, com a morte de Dean, herdou-lhe o Billy the Kid de “Um de Nós Morrerá” (The Left-Handed Gun), de Arthur Penn, e o boxeador Rocky Graziano de “Marcado Pela Sarjeta” (Somebody Up There Likes Me), de Robert Wise. Devido a sua instabilidade emocional, é possível ainda que tivesse abandonado o cinema ou sido abandonado por ele. “Ele morreu no momento certo”, comentou Humphrey Bogart, para quem Dean “jamais conseguiria ficar à altura do personagem construído pela publicidade.” Talvez. Para a geração que o venerou, o controvertido Dean foi praticamente tudo: indefeso e viril, adorado e enjeitado, doce e enérgico, selvagem e gentil, desajeitado e gracioso, artificial e natural. Em suma, uma antologia de contradições digna de dois outros astros que lhe foram contemporâneos: Marlon Brando (também criado numa fazenda e amante de motocicletas) e Marilyn Monroe (também orfã e morta precocemente ). Para quem o conheceu na intimidade, tanta adulação nunca fez muito sentido, como se a um mito fosse negado o direito divino de ser egocêntrico, perverso, instável, arrivista, porcalhão, irrascível – e bisssexual. No segundo volume de sua coletânea de escândalos, “Hollywood Babylon”, publicado em 1984, a Candinha gay Kenneth Anger não só confirma que, na véspera de sua partida para a corrida de carros em Salinas, a caminho da qual morreu, Dean participara de uma conturbada festa gay na praia de Malibu, em Los Angeles, como revela outras facetas da promíscua vida sexual do ator. Sadomasoquista, de tanto ser queimado com pontas de cigarro Dean teria ficado conhecido em certos redutos gays como “Cinzeiro Humano”. Ainda segundo Anger, que recomendo ler com um grão de sal, Dean era um viveiro de “chatos” e vivia coçando a genitália, gesto que os menos enturmados confundiam com trejeitos do Actors’ Studio. Durante as filmagens de “Juventude Transviada”, incomodados com as coceiras do ator, Natalie Wood, Sal Mineo e Nick Adams o arrastaram a uma farmácia para um banho de inseticida. “Jimmy não teria passado dos trinta anos”, palpitou Nicholas Ray, o diretor de “Juventude Transviada”. Seus companheiros mais chegados não foram muito além daquela faixa. Sal Mineo e Nick Adams morreram com 37 anos e Natalie Wood, com 43. Morreram jovens e em condições trágicas: Mineo assassinado, Wood afogada e Adams vitimado por uma overdose. Pier Angeli, tida como o único grande amor de James Dean, só conseguiu ânimo para viver até 1971. Tinha 39 anos e matou-se de saudades – ou de arrependimento por ter-se sujeitado à imposição da família, que a obrigou a casar-se com o cantor Vic Damone. Os rebeldes sem causa mas muita “fureur de vivre” não conseguiram atravessar a década de 50 sem traumas irreparáveis. E, em alguns casos, fatais.

Sergio Augusto, Setembro 2005
editor@nominimo.ibest.com.br

Questão Noturna

de repente me deu, uma saudade do que nem sei o nome, ou se é que existe além do meu pensar&querer que seja. mais que de repente, em meu meu peito doeu uma dor reconhecida de forma atávica e singular, de gosto amargo feito vinho avinagrado que desce pela garganta a fora com tua imagem por dentro. imagem que gostaria de apagar, mas que insiste neste gosto de giz que se escreve e apaga diante das tempestades desérticas e passadas no lado do mar morto que é este meu coração. ainda sinto, se é que, teu gosto&cheiro no meu corpo que necessita de outro corpo&alma pra ser feliz e diferente do que sempre foi tristeza&perdas. hoje, não sei o que me deu, que desejei te rever além dos espaços cruzados que criaste para nos separar de vez. como se fosse possível. ou necessário.

albanegromonte

agosto 26, 2006

In Memoriam Para Minha Filha

Oil by Alfredo Volpi
Ao querido poeta Bandeira, que também se desfez no mundo sem herdeiros.
À menina Beatriz de Giz, que me comove desde a primeira visão que dela tive.
À minha mãe, que me fez querer ser mais que filha neste mundo de meu Deus.



A filha que não fiz a filha que não fiz,
Beatriz, Açucena ou Joana DÁrc
hoje seria mulher
estaria agora a meu lado,
com seus profundos e negros olhos a me garantirem a permanência no calendário da vida que está passando tão rápido...

A filha que não fiz,
Maria Eduarda, Lígia ou Carolina
hoje estaria remexendo meu guarda-roupa atrás de um vestido pra sair
com o namorado e me pediria o perfume de rosas,
meu inseparável colar de pérolas ("não vai ser meu mesmo, mãe"?)
e eu sorrindo,
diria sim sim, sim, sim
querida filha que não nasceu,
vítima dos desamores que tive quando meu útero era são
vítima dos desatinos quando meu útero enlouqueceu
em sangue e dores tão constantes
que vezes tantas
quis desistir de abraçar esta filha que tanto sonhava,
mas tanto não desisti
que o próprio destino cuidou de me desarmar.

A filha que não fiz,
Antônia, Maria ou Valentina
hoje estaria me enxugando a lágrima que cai devagar
pelo rosto pelos vincos que a vida com suas dores e alegrias me fez
estaria me ajudando a recompor as cores do existir
e tornando mais doce todo este desengano e desamor
que enfrento

A filha que não fiz,
Beatriz, a última ,
não estaria me olhando agora de uma estrela
não correria ainda menina por entre nuvens e anjos
não me sorriria apenas em sonhos
ou através de outra menina desenhada em giz,
a filha que não fiz se chamaria Beatriz
e seria uma mulher feliz.

albanegromonte

Pedra Na Lua

ph E Barrox
este poema não é pra você.
por favor, afaste os olhos, vá olhar lá fora
que tem uma lua muito bonita no céu.
este poema é pra quem merecer minha intensidade de sentir&querer
pra quem não tem medo do amor
pra que não se assombra com turbilhões&tempestades no meio da noite,
este poema é pra quem gosta de andar na chuva,
de cruzar distâncias
com as palmas das mãos estendidas pra beijos e o que mais vier.
definitivamente, este não é pra você,
que fica que nem a lua,
pousado no céu da minha boca
ao alcance da minha voz
mas fingindo que não me ouve
e escrever pra você é que nem atirar pedra na lua.
você e ela não se mexem
pois pedra&poesia não os atinge.
é coisa de louco mesmo,
e este poema é pra alguém que possa enlouquecer junto comigo
no meio de uma praça de uma cidade qualquer,
de madrugada quando só os tolos apaixonados,
os guarda-noturnos e as mulheres em trabalho de parto estão acordados
este poema é pra quem gosta de subir escadas pra não elevar a dor
pra quem come pipoca com vinho tinto barato, assistindo filmes B na TV
pra quem ri de qualquer coisa
que conhece o inferno, mas prefere o céu
pra quem escreve o livro da vida na própria memória
pra quem sonha de olhos abertos e se reconforta embaixo de cobertores desbotados
este poema não é seu.
este poema é pedra na lua do seu inerte e pobre coração
que não soube reconhecer meu bem-querer
por trás das mal escritas e maltratadas linhas de pretensa poesia que escrevi uns dias tantos nestes anos pensando em você.
talvez,
eu tenha que pegar carona no próximo foguete
se quiser alcançá-lo.
mas,
tinhosa do jeito que sou
é capaz de nem esperar foguete nenhum
e me agarrar na cauda do próximo cometa,
pousar em você e olhando bem nos seus olhos castanhos dizer,
que este poema não é seu,
mas o próximo,
será certamente.

albanegromonte

Grito Surdo


salve-me.
estou na beira do abismo,
a um passo de criança
pra cair no mais profundo vão da minha alma perdida.
salve-me,
venha em meu socorro
pois nada mais respira neste espaço
além de mim
e das baratas sobreviventes ao Armagedon da dedetização do 401.
não há ninguém pra quem possa telefonar
não há um gato,
um peixinho de aquário
ou sequer uma planta
pra quem eu possa contar
como cheguei à beira deste precipício
no quinto andar de um prédio qualquer
na avenida colorida por
carros, motos e faróis
que piscam que nem meus olhos
quando ardem pra começar a chorar
e eu choro agora.
salve-me
passa um filme triste na TV,
que ironicamente se chama Shine
mas nada brilha por aqui está escuro
e não enxergo pois à tarde,
enquanto sonhava com você
dormi por cima dos óculos
e eles agora estão trincados que nem meus dentes
firmados sobre os lábios
contendo o grito
que atrapalharia os vizinhos que assistem o Jornal Nacional.
salve-me
resta um fiapo de esperança no meu coração
que este telefone toque,
e seja você a me dizer
não ande.
não salte.
eu vou aí
pra te tomar nos meus braços
e te fazer dormir como os loucos.
salve-me...

albanegromonte

Medo de Beija-Flor


inspirado em um poema em prosa do querido Fabrício Carpinejar.

você tem medo de mim. medo de você. medo de se perder quando encontrar meus olhos que sempre o buscaram em viagens interplanetárias regadas a vinho tinto barato que se compra em loja de conveniência. você tem medo de me conhecer, de me sentir o perfume de rosas e petúnias esquecidas num vaso de cristal rachado. você tem medo de não resistir a essa pressão de cheiros que invadirá seu centro do olfato, antes que se perceba que um vidro de perfume se abriu inteiro na bolsa da mulher destrambelhada que desceu do avião. você tem medo de sentir minha mão na sua, remetendo as lembranças a um tempo em que era legal ficar de mãos dadas com uma garota. eu não sou uma garota e não é mais tempo em que era legal ficar assim feito namorados... e você tem medo de reconhecer na minha risada desavisada, um desejo incontido de me calar com um beijo. e desse beijo você também tem medo, pois se minha boca couber direinho na sua e nossas línguas não se desencontrarem na dança dos dentes, eu estarei fincando mais uma estaca em seu peito de vampiro. é, você tem medo de minhas pernas grossas e morenas se enroscando nas suas numa noite qualquer enquanto a chuva canta na sua janela e o gato posto pra fora de casa miar um blues lamentando a futura solidão. você tem medo que suas pernas encontrem lugar no meio das minhas e que sejamos um par durante a noite passada tão rápido, que o sol vai ser um chato ao nos acordar no meio da manhã com solicitações e desenhos geométricos que se farão ver sobre seu lençol branco e amarelo, com tintas e marcas do que fizemos antes. e que medo você tem de me achar mais bonita assim me acordando dengosa e preguiçosa, abrindo os olhos negros bem devagar, espalhando cílios pelo seu rosto e ronronando bom dia, beija-flor... você tem medo de ouvir meu nome nas conversas com amigos, de rezar pra eu ligar todo dia, pra fazer prosa e poesia com você na cabeça o tempo todo e todo o tempo que me for reservado nesta vida, já que, como expliquei outro dia, eu paro em mim, e quando um dia, a indesejada das gentes me chegar, embora não encontre nada pronto, vai me levar só com uma escova de dentes e uma caixinha de rivotril pra acalmar na viagem, nada de mim restará nesse mundo sem porteira, pois não fiz um filho com você, ou sem você, não escrevi um livro nem plantei uma árvore. assim é que você ficará órfão e você tem medo de ser órfão de um amor que você não pediu pra acontecer. você tem medo de sua reação quando meus seios cheios de sinais, sinalizarem sua chegada arrepiando a pele ao redor de tudo que você imaginou existir mas que não teve coragem de acreditar. você tem medo da minha pele queimada de sol, do meu sabor de terra, do meu gostar de telefonemas pela madrugada, como se os dias parassem pois eu estou conversando. você tem medo da saudade que nem sentiu quando eu disser que chegou a hora de partir e nem sei quando a gente vai se ver depois. você tem medo de ter que reconhecer o seu medo e me encarar de peito aberto, coração com vaga na garagem e todos os requisitos que incluem contar pra todo mundo, de se sentir tomado por um desejo por uma única mulher que não poderá ser saciado por corpos e peles mais jovens ou seja lá o que for de beleza que se passa através destas suas lentes magníficas e aliciadoras de sentimentos desvairados, que são seus olhos&retinas. você tem medo, baby, da minha entrega, da minha transparência, da minha força de expressão que colide com sua extrema timidez. você tem medo de sentir ciúmes do meu passado recente e do futuro que possa me surgir. mas com a mão na bíblia eu prometo arrancar esse medo das suas mãos adoradas e depositá-lo num canto qualquer da casa (você vai precisar dele pra atravessar a rua e pra dirigir de madrugada), e mostrar pra você um pouco do meu desvelo, do meu carinho, do meu tesão e do meu querer você só pra ser feliz um pouco, já que nunca tenho nada de muito nesta vida. não tenha medo, que prometo partir na melhor hora, enquanto ainda for gosto de novo, de assombro e de desejo. e quando eu me for, ficará a mais linda lembrança no seu coração tonto ainda, meu riso, minha cor, a palma da minha mão acolhida na sua, minha pele resvalando cores na sua, meu cheiro no travesseiro, na velha camiseta e no cd de cassia eller que vou esquecer de propósito no seu toca discos... don't worry baby, um dia a gente se encontra de novo e acerta o rumo dessa história.

albanegromonte

Queixa


Quando de mim te aproximas
e sinto teu cheiro de desejo
fico contente feito garoto com pirulito na boca.
Mas quando de mim te vais,
fugindo em dorso de dragão de pêlo,
desatino,
perco o rumo feito barco sobre onda gigante,
rodando para lá e para cá.
Reviro os olhos e as entranhas
rasgando os fiapos da alma apaixonada
e necessitada do teu riso e da tua voz.
Serena e doce voz, que me carrega via-láctea a fora,
para passar um dia em Saturno.
E se de mim teu olhar desviado resolver se aproximar de novo,
Juro que te largo um livro de poesia bem no meio da cara.

albanegromonte

agosto 24, 2006

Um Conto Que Vai Fazer História


2006 est�sendo um ano esquisito


do meu amigo e mestre, Eduardo Barrox que também assina a fotografia

De uma carta...


... um verso de pintor
"Isso nao me evita de ter uma terrível necessidade de - devo dizer a palavra - religião Depois eu saio de noite para pintar estrelas"
Vincent Van Gogh numa carta para o seu irmão

agosto 23, 2006

Pensando Juntos...

A Lebre e o Cronopio, sobre este reverso que liam de um livro esquecido por uma Esperanza
sobre a pedra amarela...
Pensavam e comiam bolinhos-de-chuva, enquanto Alice dançava catala n ' algum canto da
floresta...



" Onde está o fracasso se a platéia inteira vaia, mas você se aplaude?"

Wally Salomão em Armarinho de Miudezas

Cupido


Dardos mágicos
e envenenados
pulam as cercas dos meus pesadelos
e fixam-se no meu peito
suado cansado e doído
de tanto que se dá
Cupido enlouquecido
erra a mira
e de uma só vez lança setas insanas ao meu coração
Arquejo sob a blusa branca agora tinta de violeta
que é a cor do sangue dos que nunca se acham
só se perdem se desencontram se desarmam
se dão em desvãos e vão de erro em erro
deixando o melhor de si
nos arcos do caminho do Cupido enfurecido

albanegromonte

agosto 22, 2006

Ela

ph Eduardo Barrox
É sabido que ela virá de longe.
Da terra do Sol, ou das infinitas noites de frio.
Não se sabe pra onde ela se dirige,
quando toma o trem, o avião, o ônibus e o metrô
para finalmente chegar.

É sabido que trará nos olhos de âmbar
o vazio do quadro inacabado
abandonado pelo artista volúvel,
e nos lábios, o sabor dos beijos que nunca aconteceram.
No corpo sem cicatrizes ou arranhões de noites selvagens
terá apenas a tênue penugem dourada
que vai se refletir na morenice
que vem de dentro e explode para fora em
braços, coxas, barriga e seios.

Esta mulher que virá,
morre por amor a cada dia que amanhece,
E renasce nas noites em que sonha.
Ela sabe que nunca será amada
que carícias virgens não terão pele onde ancorar
Ela sabe que o tempo corre mais veloz
que todas as horas do seu desejo reprimido
em risos nervosos
e agulhas de tricô
que alinhavam a fina malha
dos sentimentos impunes

É sabido que todo amor que fustiga o peito atormentado dessa mulher que virá,
E ela virá, um dia se transformará em
urna de cinzas mornas
pousada num altar profano
de deuses que assim profetizaram,
quando ela, a que se sabia que chegaria,
fugiu do paraíso

albanegromonte 28 de janeiro, 2oo6

Confissão



Dou voltas em torno de minha alma,
Buscando a essência do querer sorrir
Encontro o escuro, a dor
Mas vejo a tal Luz que se fala existe no fim dos túneis da vida
Um esgar de nada, arranca meus dentes dos lábios e alguém grita: "Ela sorriu".
Sorrio agora, da ternura do engano. Ainda não sei sorrir com a alma. Sorrio de dor pra não chorar na frente das crianças...
Visto a alma com remédios malucos
e reparo no sol que queima os corpos sem preocupação.
O sinal se abre e eu me distraio com um cachorro que manca.
Buzinam nervosamente atrás e eu dopada, engato as marchas que me levam à vida dita normal.

albanegromonte

agosto 20, 2006

Chile, 1973

ph Evandro Teixeira
parem a guerra.
silenciem os tambores dos revólveres.
retirem as fardas das avenidas.
baixem a guarda dos tanques.
deixem as ruas abertas.
- os relógios pararam, não vêem?
os sinos estão mudos, agora.
o sol se escondeu atrás da nuvem plúmbea.
as crianças não sorriem.
as mulheres não cozem nem cozinham.
os homens tiraram os seus chapéus
- não perceberam?
o Poeta morreu.
sua alma pede espaço pra subir na escadaria de versos que esculpiu por toda a vida.
e deixem que o cachorro siga o cortejo bem na frente.
um cachorro sofre a perda do seu dono.
um País chora a perda do seu arauto.
uma mulher pranteia seu homem amado.
um carteiro vai virar escritor.
o mar ficará mais cheio, agora que ele não colhe mais conchas e coisas.
uma criança não conhecerá seu pai.
mas o mundo inteiro reconhece a morte do Poeta.
parem a guerra.
respeitem a dor da Poesia,
agora inconsolável.

albanegromonte

Bilhete Suicida


"Você me fala de narcisismo, mas eu respondo que é uma questão da minha vida..." Artaud

"Nesta hora, permita-me deixar de alguma maneira as sobras para minhas filhas e suas filhas..." Anônimo

É melhor, apesar dos vermes falando
com os cascos da égua no campo;
é melhor, apesar do período das moças
pingando seu sangue;
é melhor de algum jeito
eu me jogar rápido num velho quarto.
É melhor (alguém disse) não nascer
é melhor ainda não nascer duas vezes
aos treze
onde o colégio interno,
cada ano um quarto, pegou fogo.
Querido amigo,
Vou ter que afundar com centenas de outros num elevador de pratos para o inferno.
Vou ser uma coisa leve.
Vou entrar na morte como a lente de aumento perdida de alguém.
A vida está meio aumentada.
Os peixes e as corujas estão raivosos hoje.
A vida balança pra frente e pra trás.
Nem as vespas conseguem achar meus olhos.
Sim, olhos que já foram imediatos olhos que já foram despertos de verdade,
olhos que contavam a história toda pobres animais burros.
Olhos que foram vazados,
cabecinhas de prego,
tiros azul-claro.
E uma vez com a boca como uma xícara,
cor de argila ou cor de sangue,
abriam como uma barragem para o oceano perdido
e abriam como a forca para a primeira cabeça.
Uma vez minha fome era de Jesus.
Ah minha fome!
Minha fome!
Antes de ficar velho ele andou calmamente por Jerusalém procurando a morte.
Desta vez com certeza não peço compreensão
e ainda espero que todos os outros se voltem
quando um peixe não-treinado pular na superfície do Lago Echo;
quando o luar, sua nota grave elevada,
ferir algum prédio em Boston,
quando os belos de verdade jazerem juntos.
Eu penso nisso, claro,
e pensaria nisso muito mais se não estivesse...
se não estivesse naquele velho fogo.
Eu poderia admitir que sou só uma covarde choramingando
eu eu eu
sem mencionar as mosquinhas,
as traças,
obrigadas pelas circunstâncias a chupar a lâmpada.
Mas certamente você sabe que todo mundo tem uma morte,
sua própria morte, esperando.
Então vou agora, sem doença ou velhice,
descontrolada mas precisa,
sabendo minha melhor rota,
andando naquele burro de brinquedo
que montei esses anos todos, sem jamais perguntar
“Pra onde vamos?”
Nós íamos
(ah, se eu soubesse)
Pra isso.
Querido amigo, por favor não pense que eu visualizo guitarras tocando
ou meu pai arqueando seu osso.
Não espero nem a boca da minha mãe.
Eu sei que já morri antes
_ uma vez em Novembro, outra em Junho.
Que estranho escolher Junho de novo,
tão concreto com seus peitos e ventres verdes.
Claro que as guitarras não vão tocar!
As cobras certamente não notarão.
Nova York não vai ligar.
À noite, os morcegos vão bater nas árvores,
sabendo de tudo,
vendo o que sentiram
o dia todo.

Anne Sexton.

Clarice era Cronopia


"Agora só me resta acender um cigarro e ir pra casa.
Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre.
Mas - mas eu também?
Não se esquecer que por enquanto é tempo de morangos".

Trecho de A Hora da Estrela, Clarice Lispector

agosto 19, 2006

de Mares




pois se não é em ti
haverá de.
outra luz, outro sol, outro amor.
nuvem de açúcar acender em bemóis atrapalhados
sinos tocarem e o céu abrir uma janela pro meu sorriso.
se não em ti
será.
outra boca,
outro beijo,
outro peito.
eu, mulher de pescador, ao vento
beira do mar poente
esperando a volta
o cheiro de sal
o gosto de mar
a mão calejada das pelejas com sereias e Poseidon
a me invadir os cabelos negros então.
por não ser mais tu,
eu serei.
um dia feliz assim quase sem querer
só pra ser.

albanegromonte

Lebre&Cronopios, Carroll&Cortazar


Para quem joga amarelinha por trás do espelho

A Lebre foi ferida no coração.
Setas enviadas por anjos também machucam.
A Lebre chorou tanto que nem viu o Cronopio a seu lado oferecendo-lhe um lencinho bordado com uma violeta, que é a cor mais linda que a Maga gostava quando brincava de Amarelinha nas palavras de Cortazar.
Hoje a Lebre nem viu se fez sol, ou se choveu.
Nuvens fofinhas baixaram a seu lado para que brincasse de balançar no céu, mas as lágrimas embaçavam-lhe os óculos, os olhos...
As lágrimas corriam tanto, que um rio se formou ao lado da árvore, que depois cresceu mais e virou um oceano.
Aí, uma caravela lusitana apontou no horizonte trazendo Famas que dançavam catalas e Esperanzas desconsoladas com a mudança.
Ouviu-se um suspiro ao longe, e o Jaguadarte acordou pra ver o que acontecia.
Da caravela desceu um menestrel, que cantou uma valsinha.
A Lebre sorriu um sorrisinho meio sem graça, mas achou bonito tanta gente querendo fazê-la feliz.
Deu um beijo no poeta menestrel, ameigou a cabeça do Jaguadarte, dançou catala com as Famas e com as Esperanzas e depois abraçou seu querido Cronopio, aninhando-se em seu peito para dormir com um leve ar de insanidade.

albanegromonte

Coisas De Amor


Desalento entre instantes de sorrir.
Espinho moderado na garganta que esfola mas não mata.
Gato com rato na boca (já viu?), parece que brinca com a vítima, mas olhando bem
é tortura que aprisiona, solta, empurra, traz para si, afasta, morde, mastiga, sopra descansa, olha de novo, pega tritura e enfim
dá o suspiro com olhos virados para o céu e misericórdia de deuses desconhecidos,
a patada final que apaga a última estrela de diamante que brilhava no olhar do rato agora purificado.
O gato era quem o rato amava e não sabia, em sua pureza dos que mal nasceram, mal desconfiando que ele, o rato, era a presa;
e o gato, na essência natural das leis que regem a natureza, o predador.
Descansa agora o gato, deitado em almofadas de cetim, lambendo os pêlos, esperando a próxima entrada.
O rato perdido entre cometas suicidas e densas florestas de musgo e magnólias descoloridas, ainda sofre e chora a perda do amor.

albanegromonte

agosto 18, 2006

Para Werther


Agora eu Sei, caríssimo...



Amanheceu mais cedo, como sempre acontece, pois ainda não troquei a persiana arrebentada. O despertador chamou duas vezes, e esperei o silêncio que este barulho evoca logo após, mas foi tua voz quente e preguiçosa que me disse a oração diária: “vai levantar ou te empurro?” Nem precisou. Pulei da cama e mesmo sem óculos, vi todos os contornos apolíneos do teu corpo semi-coberto pelo lençol com motivos infantis (capricho teu, ao qual não resisti).
O teu olhar de mel, não foi menos espantado que o meu: “O que houve? Baratas ou pregos na cama? Teve pesadelo de novo? Vem cá, dá o beijo do teu príncipe e cuida que a hora está passando.”
Procurei os óculos para ver se era verdade, mas não precisava. Como um cego não precisa da visão para sentir que há alguém num lugar. O frio do ar-condicionado que nunca uso, o cheiro do teu corpo no ar misturado com cheiro de amor, que diziam, que diziam... meu Deus!
O que aconteceu? Roupas espalhadas, garrafa de vinho vazia, taças enviesadas perigosamente sobre o criado-mudo. Minhas entranhas ardiam como sempre no day after . Meus pulsos tinham marcas vermelhas e meus lábios inchados não desmentiam o óbvio: fizemos amor. E pra valer.
Para não enlouquecer de vez, saí silenciosamente do quarto e fui ao banheiro. Tua escova de dentes rubro-negra, teu shampoo, teu creme de barbear, teu desodorante... tudo no seu lugar. Como se nada tivesse acontecido nos últimos 11 meses. Como se estivesse acordando de um sonho mau, muito mau, meu coração batia em descompasso com a mente que buscava explicação para aquilo tudo. Eu sabia que algo acontecera.
Os meses de insanidade, de depressão e dor, ainda me marcavam a memória. Meus remédios tarja preta jaziam junto aos cremes que tentam deter o Tempo, dizendo que algo ali era real.
Olhei no espelho, e me refleti mais jovem.
Eu estava um ano mais jovem. Mas como?
Tomei uma ducha quente, lavei os cabelos e fui à cozinha fazer um café forte. Bem forte. Ao procurar o adoçante vi que estava por trás da lata de leite em pó. Leite em pó??? Mas eu não tomo leite em pó desde que fiz 5 anos de idade.
Atordoada, abri a geladeira e lá estavam as dezenas de latinhas de Coca Cola, o suco de pêssego em caixa, o vidro de palmito mal fechado, o seu bolo preferido, a torta gelada especial da sua mãe...
Fechei a porta e li desolada o bilhete escrito com minha letra infantil, pregado na porta da geladeira: “Belo, tem sanduíche de atum na geladeira e leite pronto. O café deve estar bom ainda. Amanhã trabalho ás 7h e não precisa programar o despertador, pois já fiz isso. Voltarei às 19h. Quero ir pro cinema . Hoje é sua folga, não? Não esqueça de pagar a luz. O cartão está no lugar de sempre. Beijo na boca. Tua sempre. PS: E não me acorde pra papear, que estou muito cansada e já passa das duas horas...”
Pensei em ligar pro meu psiquiatra, mas a loucura era absurda demais. Até para ele.
Certa de que algo ainda iria acontecer explicando o inexplicável, cumpri meu ritual. Ao abrir a porta da casa, vi que a chave não era a do meu carro. Demorei pra entender que você entrara por último, então a minha estaria jogada em algum canto da sala.
Desci o elevador sozinha e com óculos escuros para que ninguém visse a perplexidade refletida nas minhas retinas.
Liguei o piloto automático e segui avenida afora com todos os pensares por dentro.
Como ainda era cedo, estacionei na beira-mar para um pensamento qualquer que me livrasse da angústia de ter em casa, alguém que partiu há um ano, sem virar as costas, sem dizer adeus.
Um vento frio vinha do mar e as ondas batiam altas nos arrecifes.
Praia vazia. Alguns andantes pelo passeio, uma babá empurrando o carrinho com um sonolento bebê dentro, uma garotinha brincando com seu cãozinho, outra jogando bola sozinha na areia ainda fria.
Não havia sereias, Iemanjá ou Poseidon para me explicar o que estava acontecendo, por todos os deuses!
Voltei pro carro e liguei o radio, onde alguém cantava que “andou pelas ruas, um insano, um molambo, que queria se atirar no mar só pra se afogar”
Eu.
Freei de súbito, fiz retorno na contra-mão e voltei para casa. Pelo celular, avisei que estava doente e não poderia ir trabalhar. Que remarcassem os pacientes para amanhã (?).
Acelerei o máximo, e um sorriso que estava guardado há 11 meses, se abriu inteiro em minha boca pintada, então repleta de lembranças que vinha escondendo nas gavetas da alma dolorida.
Meu coração saltava que nem pipoca estourando dentro da blusa, dentro do peito. Meus olhos enxergavam toda a beleza do dia. Deus existe. Eu creio. Me agarrei ao crucifixo que sempre trago no pescoço e agradeci por esse momento que nem mais esperava acontecer.
Entrei no prédio como um bólido.
O porteiro tentou me dizer algo, mas disse: “ Depois”, ainda assim, me entregou um envelope amarelo. Nem olhei. O que significa um envelope amarelo numa hora plena destas?
Abri a porta devagar, tirei os sapatos e fui à geladeira e não viu meu bilhete enigmático (“Não lembro o que aconteceu... Me liga pra contar. Beijos. Tua sempre”)
Será que ele já acordou e saiu?
Fui até o quarto. No corredor, o coração descia degraus velozmente até meus pés descalços.
Abri a porta e o vazio me congelou.
Não havia você.
Não havia roupas no chão.
Não havia ar condicionado ligado.
Não havia cheiro de nada.
Meu lençol cor-de-rosa se enroscava nos quatro travesseiros que pareciam rir da minha tolice.
Sentei na cama e larguei no rosto, todas as lágrimas guardadas depois de tantas buscas e sofrimento.
Chegou a hora. O fim do poço é este.
Escondido por trás do edredon, no canto esquerdo do guarda-roupa, estava o meu kit Werther. Retirei as peças:
-um vestido branco
-uma calcinha branca de algodão
-um batom cor-de-boca
-um perfume de rosas
-uma plástica rosa branca
-uma fronha de seda pura
-um bilhete pros meus pais, para meus irmãos e sobrinhos e para meus raros amigos... explicando, justificando, pedindo perdão...
-um papel com todos os códigos e senhas necessárias
-um triste testamento, apenas livros para Anna K., bonecos de pelúcia para o IMEC, coleção de marcadores de livros para Ana P.. As jóias para minha irmã caçula, os CDs pro meu irmão, o violão para minha sobrinha, minhas roupas para minha cunhada. Meu São Jorge para a minha mãe. Minha caneta pro meu pai.
Retirei o copo de cristal da Baviera envolto em papel de seda. Mesma seda com que enrolei um cigarro de maconha e me despedi do antigo vício.
Liguei o som para tocar continuamente Albinoni- Adagio.
Enchi o copo com água Perrier (morro, mas com classe)
Tomei outro banho, com sabonete de morango, passei no corpo óleo de amêndoas com cristais dourados. Vesti o vestido, deitei sobre o travesseiro de plumas e engoli um a um os sessenta comprimidos guardados ao final de cada semana do mês em que não me aparecias, cada um dos dias longe do teu sorriso.
Meus olhos pesaram e comi um tablete de chocolate meio-amargo, e tomei uma taça de vinho tinto.
Acendi um cigarro Carlton. O primeiro e último cigarro que fumei. Será que isso dá uma boa propaganda?
Lembrei de súbito, dos e-mails dos amigos virtuais a quem avisar.
Escrevi com letra trêmula, já quase sem coordenação.
De repente, ao pé da cama, o envelope amarelo.
Sorri e decidi ler.
Preferia ler um poema de Fernando Pessoa, mas a estante agora estava longe e não se pede ter tudo mesmo, não?
Ao abrir o envelope, teu cheiro me invadiu as narinas.
Sabia que seria assim no final.
Quando a minha loucura fosse incontrolável, tudo me traria você.
Com a visão já embaçada, li as palavras escritas com tua letra infantil.
“Mimi, sonhei com você. Sonhei que éramos dois mais uma vez. Foi um sonho lindo e eu não queria ter acordado. Mas acordei e vi que minha vida agora é outra, onde não cabe o amor. Apenas saiba que hoje, quase um ano depois da nossa separação, nós fizemos amor no lugar que você chama de Terra do Nunca e eu chamo de Terra do Sempre, pois sempre vou te amar e um dia vou te buscar lá para ser só minha, como está escrito. Me espera. Te amo. Teu sempre.”
Caí sobre o travesseiro e todas as lágrimas femininas de Eva, Heloísa, Helena, Penélope, Guinevere, Julieta, Desdémona, Lígia, Penélope, Madalena, Joana, Inês... juntaram-se às minhas.
Não lamentei meu ato, pois sei que tua volta duraria uma encarnação e já não posso mais com tanta dor a me dilacerar dia após dia.
Minha cabeça ficou zonza, liguei para minha mãe, disse que a amava e ela não entendeu bem, eu acho.
Liguei para o padre da minha paróquia e pedi que orasse por minha alma eternamente perdida.
Abri a Bíblia e o Salmo que me brotou aos olhos baços, foi o que diz “Senhor, Tu és meu refúgio e minha cidadela”.
Não suportei mais.
Minhas entranhas se revolviam em espasmos e minha boca se contorcia. Todo meu corpo doía, os músculos se contraíam e a cabeça latejava como se fosse explodir num minuto.
Eu não sabia que sofreria.
A respiração foi ficando curta e absorver oxigênio passou a ser uma luta.
Gritei muda pelo ar que não vinha.
Mais espasmos me dilaceravam por dentro e sangue me saía pelos ouvidos e nariz. Fiquei nauseada, tentei levantar. Caí de joelhos sobre o chão liso e frio.
O céu escureceu, ou meus olhos cegaram?
Tudo ficou escuro.
Meu Deus, não quero morrer agora.
Adagio se repetia nas caixas de som que ecoava em meus ouvidos como gritos de almas penadas. Desliguei tudo.
E o silêncio se fez.
A dor era tamanha que achava que não suportaria mais estes vinte minutos proclamados nos estudos da farmacologia da droga que usei.
Arrastei-me pelo corredor, deitei-me no tapete da sala, ao lado dos peixinhos Julio Cortazar e Jorge Luís Borges, que me olhavam inertes e com fome. Eu esquecera de alimentá-los hoje.
Chorei por eles.
Chorei por mim.
Ao longe, o som estridente da minha campainha.
NÃO QUERO SER SALVA!
Pare de tocar quem seja e vá embora.
Mas este grito surdo fez com que eu vomitasse o que não comia há dias.
Na clareza atávica dos que se vêem cara a cara com a morte, arrastei-me até a porta como se fosse um ser apenas tronco e cérebro corroído.
Escalei a porta e abri.
Precisava dizer a alguém que morrer dói, que no fim, todos se arrependem.
Meus olhos cegos de dor e sangue que agora também lhe afluíam além dos ouvidos e nariz, sujando o lindo vestido branco, viram você.
Miragem.
Alucinação.
Desejo de condenado.
Fechei os olhos, virei a cabeça e morri.
Mas antes te ouvi dizer...
“Porque Mimi? Eu pedi pra me esperar que eu iria voltar”.


albanegromonte, no dia da sua morte, em 15 de agosto de 2006.

agosto 06, 2006

Che



Yo tuve un hermano
No nos vimos nunca
pero no importaba.
Yo tuve un hermano
que iba por los montes mientras yo dormía.
Lo quise a mi modo,
le tomé su voz libre como el agua,
caminé de a ratos
cerca de su sombra.
No nos vimos nunca pero no importaba,
mi hermano despierto
mientras yo dormía
mi hermano mostrándome detrás de la noche
su estrella elegida.

Julio Cortazar, 29 de octubre de 1967

Demon Love

Para Augusto dos Anjos
as dores da alma são tão difíceis de suportar...
ardem no peito que sangra
trazem feridas cicatrizadas então abertas e pustulentas

ah, as dores da alma...
lançam fogo aos torturados da Inquisição do amor
e volteiam em chamas de saudades seus corpos agonizantes
diante da feroz turba que não sabe o que é amar

as dores da alma não têm remédio
não há chá, mezinha, antidepressivo, psicanalista, xamã ou pai de santo
que dê jeito na dor, na faca encravada no coração
no fogo que queima devagar cada fibra de um ser que já não suporta mais tanto

nem os vermes subterrâneos se atrevem a roer as carnes de quem morre de amor
trazem veneno e maldição

as roupas são atiradas no fundo dos rios bonitos do mundo
Sena, Tâmisa, Tejo, Capibaribe...
e jazem junto ao lodo até nele se transformarem
lama mortal que atrai os desvisados nautas que vão buscar pérolas e voltam cegos

ah, as dores do amor...
crias do anjo caído
para provar a inexistência de Deus

pois se Este fosse piedoso
não permitiria mais esse sentimento que tortura, cega, emudece, trai e mata por fim.

albanegromonte

agosto 04, 2006

Historia de Cronopia

Um Cronopio disfarçado no frio...



outro dia (um dia muito feliz), eu ganhei de presente meu tão sonhado livro de Cortazar sobre os Cronopios e Famas.
desde então não largo dele que me acompanha por todos os meus andares.
leio&releio.
abro páginas aleatoriamente.
tem histórias que já sei de cor...
então hoje eu estive meio triste, e alguém muito querido me sentiu assim, pelo jeito de falar, não sei bem... talvez eu seja mesmo muito transparente nos meus sentimentos...
dei-lhe uma desculpa qualquer e disse-lhe que conversaríamos depois&depois.
saí pro trabalho, viajando naquela tristeza naquela tão doída e meu radio tocou uma velha canção que sempre me aquece... She... aí a lágrima besta não se aguentou mais e desceu com toda a plêiade que a acompanhava bem no pára-brisa do meu carro e no meu rosto um tanto cansado dos dias estranhos que se vive por este mundo de meu Deus.
um acidente logo à frente, travou o trânsito.
como ainda era cedo, parei no Marco Zero do Recife, que fica à beira do cais...
brilhava uma lua linda sobre o rio.
e como havia luz, peguei Julio pela mão e fomos sentar na murada.
o vento assanhava meu cabelo que anda muito comprido... prendi-o do meu jeito habitual.
abri o livro e li a historinha do Cronopio que se formou em Medicina e abriu consultório. um homem veio ter com ele, e queixou-se de que não conseguia dormir à noite, comer, sorrir... o Cronopio então receitou-lhe um ramo de rosas. o homem achou estranho, mas foi lá e comprou.
logo ficou bem. feliz, com vontade de comer e passou a dormir bem.
voltou então ao consultório do Cronopio, pagou-lhe a consulta e deu-lhe de presente um ramo de rosas.
no mesmo instante, o Cronopio passou a não dormir bem, comer e ficou triste...
então um sorriso me veio.
e entendi o que se passava.
Cronopia que sou.
apenas absorvi o sentir de alguém a quem ofereci um ramo de rosas e um ombro pra suportar o mundo.
espero que meu paciente esteja bem.
eu, depois que compreendi a essência do Cronopio, já me alegrei um tanto.

albanegromonte

agosto 01, 2006

Cronopio Infantil... Outros Caminhos


O Avesso da estória, ou como se perder num sonho de criança.

Bem que eu disse. Eu disse. Não faça este caminho que o lobo te pega. Mas tu , com teus games modernos, achaste que poderia com ele. E com os outros todos... Fuzis, metralhadoras, armas virtuais, golpes orientais, slow-motion, efeitos especiais... nada disso te valeu quando a Rainha de Copas abriu o espelho de Alice e te convidou pra brincar... é... até que não foi mal. Em algumas jogadas, desfizeste o jogo e salvaste esta cabecinha de vento, embora se bem lembrares, foi com truques do velho jogo de damas que te ensinei ainda menino, que conseguiste driblar a poderosa e maldosa mulher. Mas confessa aqui... tremeste diante da bocarra do lobo, anh? Por pouco não viraste almoço. Não fosse o patinete de Chapeuzinho, largado ali no canto da sala, não poderias ter fugido tão rapidinho até o outro lado da floresta. Admito que dei risadas com a cara de bobo que o lobo ficou, ao te ver partindo em pé naquela geringonça de madeira... acho que nunca mais ele vai querer almoçar garotos. E a bruxa? Eu disse, não disse? Se encontrares uma casa toda feita de chocolates, não te aproximes. É perigoso! Mas não me deste ouvidos e devoraste a porta feita de sonho -de- valsa. Que susto, hein? De repente, a velha e carcomida bruxa surgiu do nada, e BUM! Te jogou no panelão. E agora? Pensaste, quando viste que teus artefatos up to date, estavam molhados e inativos... "Senhora Bruxa, não seria melhor me engordar mais um pouco? Estou tão magrinho..." Ufa! Ainda bem que lembraste como João e Maria se safaram... E na caverna dos Quarenta ladrões? Que seria de ti, sem a corda de pular, que se enganchou milagrosamente na pedra que fecharia para sempre os teus sonhos de menino? Temi por ti, quando o gigante do pé-de-feijão tateou as paredes do castelo, quase tocando os lençois amarrados por onde descias (em que aventura de Rin Tim Tim nós vimos isto?). E a madrasta de Branca de Neve, que na falta do que fazer, queria te envenenar com uma maçã? Sorte que te ensinei a lavar as frutas antes de comer (agora pensando... se Branca de Neve soubesse disso, teria poupado um bocado de trabalho ao Príncipe, não era?). E o feitiço do sono de 100 anos? Que idéia a tua, diante da incompatibilidade eletrônica do teu artefato anti-magia sonífera? Fechar os olhos, tampar os ouvidos e o nariz, não tocar em nada... e! O feitiço não te atingiu nenhum sentido e pudeste sair em paz daquele castelo mal assombrado. Não gostei que quisesse contar ao Patinho Feio que ele era um cisne. Ainda bem que teu tradutor de linguagem animal não converteu naquela atmosfera. Foi engraçado, reconhece: Tu piavas como um pinto recém-nascido, e o patinho balançava a cabeça para lá e para cá, como quem não está nem aí... O jeito foi nadar até o outro lado da história para conhecer a bailarina que namorava o soldadinho de chumbo... achei bonita a tua tentativa de impedir a separação deles. Mas sabes que eles ficam juntos no final, não é? E quando Rapunzel teve os cabelos cortados? Ainda bem que não conveceste o Príncipe a subir naquela mini-escada rolante... O que seria desta história depois? Eu disse, não disse? Não entra neste livro que não sei posso te tirar daí antes que cresças. ... era uma vez um garoto que não acreditava em contos de fadas e achava que com seus modernos artefatos de video games, poderia vencer todas as batalhas criadas pelos contadores de histórias, como seu avô, um velhinho maluco que desafiava o tempo há muitas e muitas gerações na sua família... mas isto já é outra história...

albanegromonte