julho 21, 2007

Sobre Feitios Poéticos


Sylvia Plath posed with her typewriter in Yorkshire, England, in 1956. Plath wrote not only her novel The Bell Jar on Smith's pink memo paper but also successive drafts of her famous bee poems, top photo, including "Stings." Images courtesy Mortimer Rare Book Room.



"Poesia é uma disciplina tirânica. Você tem de ir tão longe, tão rápido, em tão pouco tempo, que nem sempre é possível dar conta do periférico. Num romance talvez eu possa conseguir mais da vida, mas num poema eu consigo uma vida mais intensa." (...) "Não estou falando de poemas épicos. Falo do poema curto, não oficial. Como descrevê-lo? Uma porta se abre, uma porta se fecha. Entre os dois momentos você tem um golpe de olhar: um jardim, uma pessoa, uma tempestade, uma libélula, um coração, uma cidade... O poeta se torna um especialista em fazer as malas."





Sylvia Plath

Ela


É sabido que ela virá de longe.

Da terra do Sol, ou das infinitas noites de frio.

Não se sabe pra onde ela se dirige,

quando toma o trem, o avião, o ônibus e o metrô

para finalmente chegar.


É sabido que trará nos olhos de âmbar

o vazio do quadro inacabado

abandonado pelo artista volúvel,

e nos lábios, o sabor dos beijos

que nunca aconteceram.

No corpo sem cicatrizes ou arranhões de noites selvagens

terá apenas a tênue penugem dourada

que vai se refletir na morenice

que vem de dentro

e explode para fora

em braços, coxas, barriga e seios.


Esta mulher que virá, morre por amor a cada dia que amanhece,

E renasce nas noites em que sonha.

Ela sabe que nunca será amada

que carícias virgens não terão pele onde ancorar

Ela sabe que o tempo corre mais veloz

que todas as horas do seu desejo reprimido

em risos nervosos e agulhas de tricô

que alinhavam a fina malha dos sentimentos impunes


É sabido que todo amor

que fustiga o peito atormentado dessa mulher que virá,

E ela virá, um dia se transformará

em urna de cinzas mornas

pousada num altar

profano de deuses que assim profetizaram,

quando ela, a que se sabia que chegaria,

fugiu do paraíso


albanegromonte

julho 20, 2007

Encarnação

Foto por Carlos Canau


Ele, um homem. Ela, uma mulher. Entre eles, o amor. Unha e carne, corda e caçamba. À noite em seu ninho, eles se faziam disso, diluindo-se um no outro, desafiando a química- eram água e óleo. Ele, o óleo; pegajoso, forte, impregnando a pele dela, deslizando-lhe pelos seios e coxas, enluvando-lhe as mãos tão nuas. Ela, a água; transparente, frágil, lavando a alma dele, descendo em correnteza pelo seu peito e braços. Acreditavam em reencarnação e se encarnavam um no outro, em vida, por não terem tempo de esperar pela morte. As unhas dela, longas, vermelhas, penetravam-lhe as costas e chegavam até seus pulmões , respirando por ele. E ele ria de não poder respirar; e ela fincava-lhe as garras, permanecendo junto para ele não morrer. Em troca, ele beijava-lhe o ouvido, percorrendo com a língua molhada, seus misteriosos ossículos e labirintos, chegando ao cérebro, pensando por ela .E ela ria boba, com a saliva escorrendo-lhe os lábios de louca, por não precisar ter lógica. E as cordas tendíneas dos seus corações tocavam juntas uma sonata desconhecida. E eles dançavam , continuando a se encarnar. Os dentes dela, cravados na sua jugular derramavam sangue brilhante, mas ela lhe detinha o fluxo com pálpebras macias. O nariz dele, cheirando seus braços, tomando-os de assalto, paralisando-os num abraço gigante. Suas pernas entrelaçadas impediam o trote e eles rastejavam pela cama em busca do espelho. E se olhavam, e se viam e sorriam um para o outro, em harmonia com a lua crescente e o vento Terral que invadiam as paredes do quarto. Ele e ela. Um homem, uma mulher e o Amor. Antes do amanhecer, eles já eram um. A massa sem forma, pulsante e bela na sua poesia, gemia e ria, rolava pelas paredes e chão, perfumando o ar, trazendo pássaros noturnos à janela aberta, que codificavam uma canção de amor em Si bemol. As suas mentes decifravam os segredos um do outro. Suas mãos eram quatro em tamanho e poder. Seus corações pulsavam em uníssono. Suas peles tinham o mesmo suor. Suas retinas confundiam imagens: visões dele, visões dela. Seus longos braços abraçavam suas pernas e seus sexos se mesclavam no primitivo ser arqueológico que não sabia se era Macho ou Fêmea até que se inventasse o pecado. Seus cabelos se enrolavam em seus pêlos, suas lembranças se misturavam num só quadro e as palavras, se é que havia, partiam de uma mesma boca, com um só tom de voz. E quando a estrela rainha, rasgava o manto da madrugada com seu calor, entregaram suas almas a Deus e seus corpos sussurraram Amém.

Ferida

Foto: Body Coming From a Dream, por Rui Gomes



e o que de resto ficou meu caro...


foi este quê de coisa tua, que trago gravado na carne


e que dói,


feito ferida recente quando olho pro lado


e é de ti que vem a brisa do pensamento veloz.
ficou um tanto na casa,


e mais tudo no meu peito.


ficou a cópia da chave do meu encanto...


uma camisa que dobra e esconde meu coração,


uma lembrança que não me deixa continuar


uma canção que não consigo esquecer.


o que de resto ficou,


foi em mim.


e na estrada toda ali em frente


de nada me vale este desencanto, este coração faltando um pedaço, esta canção sem notas


então vou ficando.


o teu desamor me fita por dentro


me acossa


me reptiliza.


e não há paz neste mundo para um coração


que esqueceu suas asas em outro


e que por isso rasteja


pelas noites infames e informes que vão e vêm


no balanço da eternidade por onde gravita


um grande amor





albanegromonte

Madrugada Adentro


madrugada avança inexorável, e eu sem conseguir encontrar abrigo nos lençóis antigos que me cobrem o corpo nu. hoje senti sua falta. parece que a noite demora mais quando você não está neste espaço que meus olhos adivinham ferozes de te ver. acordei tarde, com preguiça de mil dias sem dormir. tomei uma ducha gelada, comi a torta de limão que jazia nas prateleiras da geladeira, me senti culpada e tratei de dar umas boas cambalhotas na sala pra perder as calorias mal intencionadas. o sorriso do lagarto na janela me incomodou e vesti de novo o pijama do Mickey pra não ter que ficar acordada. aconteceu o improvável telefonema que me fez decidir cruzar a cidade com suas pontes&rios até o trabalho. voltando tarde de lá, me distraí no semáforo e pisquei os olhos achando que te via no outdoor em frente. uma buzina tocou histérica e arranquei na segunda, fechando os vidros do carro pra não ouvir o motorista abusado que me seguia disposto a detonar a quarta guerra mundial-ou será que ninguém notou que já estamos no meio da terceira?- o Armagedon é aqui. os quatro cavaleiros já se cansaram de tanta moleza e se mandaram pra outra galáxia. agora começou uma chuva sem graça, e Cazuza canta uma canção antiga no rádio que deixo ligado pra esquecer que estou sózinha. o mundo é um moinho mesmo... mas isso D Quixote já dizia pra Cervantes quando eles conversavam pra organizar o livro. hoje viajei muito. imagine que descobri um tipo de pena de morte chamada ordálio. não te parece nome de flor, ou mesmo de um poético lugar onde se guardam as pétalas de chuva que caem quando a manhã vem? pois saiba que esta noite eu varei sem uma taça de vinho e sem sua gargalhada visceral a me torturar a pele, sem sua voz mansa a me acalmar o nervoso de estar só com você, ainda que não seja bem isso, como nós sabemos. mas o que importa é que a madrugada vai se transformar no dia azul que brota na minha cidade, e o sol vai fazer bolinhas de prata no dorso das ondas do mar e nos olhos dos pássaros que me acenarão no asfalto quente. vou acordar atrasada de novo, pois o despertador está sem pilha. se você quiser e ainda der tempo, passa aqui na minha linha e me acorda com um beijo bem demorado que é disso que eu preciso pra dormir de novo.


albanegromonte

Sem Palavras.

Vida que se refaz em 7 tempos de um amor que existe e cumpre o que era promessa.
Ofício nosso agora é o de ser feliz.
E mais que tudo, tu sabes.
Amor meu, de sempre.
Todos estes dias serão para nosso olhar.
Infinitos dias e noites, eternizando dizeres que apenas pensamos.
Vinte de cada mês que passa como fosse século, na velocidade da luz que corta
Majestoso e divino destino meu&teu
Existir em ti é ser
E repito a cada amanhecer:
Mais que tudo, amore mio...
Mais que tudo.


albanegromonte

julho 05, 2007

Tatuagem


Liberta do braço do marinheiro morto, a tatuagem de dragão se lança na rua escura e fria. Busca um peito, um dorso, lugar qualquer onde possa se aninhar, onde possa espiar as presas, onde possa se guardar enquanto o fogo não vem. Azul se insinua entre as sombras do beco, pulando latas de lixo, bêbados falantes, drogados mudos, prostitutas infantis de peitos duros e miolo mole. Uma sirene corta o silêncio e como zumbis, os habitantes da noite se encolhem no escuro. Era uma ambulância, levando uma bala cravada num crânio envelhecido que se metera numa briga de gangues. A bala agonizava sem encontrar saída nos ossos amolecidos pela osteoporose. O dragão amarela e se deixa flutuar na fumaça do cigarro que o crooner do cabaré barato fazia parecer um solo de sax que imitava Bird... Róseo agora de fome, o dragão avança pelo asfalto mal iluminado, buscando pele para se pregar... braços, peitos, dorsos e tornozelos ocupados por pássaros, sinais estranhos, navios e cavalos alados... lugar algum onde ficar... Verde o dragão se percebe no espelho... ectoplasma pálido, quase sem forma... Vitrine mostra manequins magricelas com calcinhas meteóricas e casacos de pele... Pena que não é pele de gente. Dragão agora roxo, sente frio, e no meio do arco-íris dos insensatos que o percebem na noite, vislumbra um pedaço de carne pulsante e branca onde sente que pode pousar e vai. Balança as asas gélidas, pescoço desossado se insufla e os olhos flamejam quem sabe a última fagulha. Atira-se multicolorido no brilho da pele que parece pedir seu calor.
Dia seguinte, no posto policial, a mendiga nega ter queimado a bunda magra do seu filho desnutrido... A ferida em forma de dragão suspira feliz e dorme entre as fraldas.


albanegromonte