maio 22, 2009

28 de Julho

penso o que há de mim em ti,
arranjo os trapos da alma e me transmuto em princesa
pressinto o tolo coração ambulante
que vende fiapos de luz como se fossem
pedaços de estrelas
previno-lhe, coração, que há perigo.
não há glórias no escancaro,
há finais que desmontam as cenas
e engolem os atores.
previno-lhe, coração: há poeira no rastro de cada cometa
ainda que seja de neon barato
mesmo que se acenda em vermelho na porta de
quarto qualquer de um bas-fond deste século passado,
que passa em dezenas de anos (ou nem tantos assim)
que se acha no breu do céu de uma cidade
que não conheço e nunca mais
feito o filho que não fiz
e que me olha hoje em algum recanto misterioso
residente incauto deste ventre infértil.
salve, salve!

e o que há de ti em mim além
do amargor do fel
do sangue coagulado na cruz
na pedra cristal que repousa no meu umbigo.
ai de ti, coração errante
sombra de Espanha em quixotescos quilombos
de nada que surgiram no meio do mar da África
onde dizem, Deus criou o mundo.
e cá onde estou nem sei mais se é mesmo
o ardor nos olhos
a fumaça de óleo diesel
ou a lágrima que desce pelo fio desencapado desta dor
que se refaz em soltas notas de um velho piano
desafinado que guardo
no desvão do meu quintal.
e não há em mim de ti sequer a lembrança
nem em ti restou de mim o cheiro do amor
que passou.
o último a sair daquela nossa escuridão?
eu.
e acendi a luz

albanegromonte

Do Paraguay



A quem deixar o meu guarda-roupa oculto
o guarda-roupa fantasma
de todos os vestidos
que tive e que me abandonaram
os vestidos
que nunca tive e que vesti em segredo
O vestido que veio demasiado cedo
e que nunca me caiu bem
o vestido
que chegou já tarde
para ir à festa
quando eu já tinha adormecido

O vestido de criança
tão igual ao vestido
da primeira boneca
O da menina com o corpete já estreito
que apertava os seios doendo-lhe em casulo
O da adolescente que pressentia o homem
ladrão de túnicas na sesta sufocante

O vestido esquecido
da mulher que sob a sombra
do homem eclipse ocultou-se uma noite
e amanheceu como a lua cheia
surpreendida pela luz na metade do céu

O vestido de guerra rasgado
como bandeira
da mãe partida em dois
para sentir-se inteira

O vestido de luto que não levei para os meus
mortos
que ainda vivem

Os vestidos que alguém me emprestou para sonhar

...Quando chegar a morte também será um vestido
que não verei porque estarei a dormir.



Josefina Plá

maio 20, 2009

Ao meu amor, pelos dias de sempre

tua é a vida que antes era
- nem sei se-
das dores de cores exaustas de lágrimas e interrogações

tua é a alma que antes nem sequer sabia
que a paz podia ser longe das ondas de pálpebras
levadas em cortinas de negras tarjas

e este coração cá embaixo da blusa,
bate fiel ao compasso de tuas palavras que são o eco
perfeito do que em mim toda
grita e salta pelo bolso aberto em perfumes de
orquídeas e brilha em sóis que giram,

este antigo coração que era de teu existir,
mas eu não sabia.
agora sim.

e é para ti este sorriso todo que estende meu tapete de vida a teu amor de sempre.


albanegromonte

maio 15, 2009

Maiakovski


Nas calçadas pisadas
de minha alma
passadas de loucos estalam
calcâneos de frases ásperas
Onde
forcas
enganam cidades
e em nós nuvens coagulam
pescoços de torres
oblíquas

soluçando eu avanço por vias que se encruzilham
à vista de crucifixos
polícias.

Jerusalém


(Mais um poema deste meu tão caro amigo, para você, Djabal)



Em Jerusalém

meu amor

as noites são de alerta

e a dor assusta o vôo das corujas



em Jerusalém

meu amor

dorme-se pouco

que a angústia aperta

são breves as carícias

e os risos inquietos

semeiam medo ao raiar da aurora

o perfume da morte e os gritos da agonia

serpenteiam pelas ruas poeirentas sujas

como cães deixam marca

e vão embora

partem com rumo ao findar do dia



em Jerusalém

meu amor

ouço as notícias que daí me chegam

vindas de muito mais além do horizonte

um velho agoniza

lento

aqui defronte e as sirenes não se calam

não sossegam



em Jerusalém

meu amor

sente-se o vento escaldante do deserto

e o sibilar das balas

lá ao longe

faz tremer de susto o missal do monge

há hienas que dançam aqui por perto



em Jerusalém

meu amor

só resta a esperança

num sorriso inocente de criança

José Manuel Restivo Braz,
Porto, Portugal

maio 14, 2009

Fragmentos


Apresento-lhes este poeta lusitano.


o cabide onde penduro os olhos do passado
é um necrotério de gaivotas desistentes
pairando sobre um perfume de sombras
no areal de sargaço abandonado…

vem-me à memória um bando de xailes negros
rezando terços ao cair da tarde
na aldeia onde passava o verão…

avé-marias, quase sem graça…

pais-nossos, lentos…

o calor envolvendo as casas num manto de opressão
e a melopeia que nunca terminava…

salvé-rainha…

depois era domingo…

missa cantada
foguetes
procissão
a banda tocando no coreto até ao fim da festa

então era o regresso…

a quem pedir um pouco mais de tempo
um pouco mais de mar?


(fragmento 13 – j m restivo braz)

maio 13, 2009

Dos Ritos




a mansidão
as Razões
o Tempo
o meu silêncio
tua Tristeza
a dor de não saber
se é, ou não
o que gostaria.
a Madrugada acordada
o vinho, o cigarro, a pílula para acalmar o coração
que grita
Me Ama!
que sofre
às vezes calado,
noutras falando baixinho
o Telefone que toca
impropriedade da Hora
teu cansaço
meus abraços
Mornos, quentes
sempre tão doces abraços
a Lágrima que corre sem me dizer pra onde
o choro compartilhado através do Oceano de Tristezas
um dia
um mês
quantos anos a gente se conhece?
Tempo
de não saber se é o que quero
ou se espero
a nova volta da Vida
no Carrossel de cavalos mancos
e fadas enlouquecidas
Tempo
de ter que dizer
se me quer ou não
nesta Vida
ou se morro agora
pra Renascer em
olhos que Te
toquem
a Alma
que não é de Ninguém,
que Te mexam
as fibras do Coração
congelado
por Quem?

albanegromonte

Hilda



Crônica de Hilda Hilst para o "Correio Popular" de Campinas-SP

Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá

de teta

de azul

de berimbau

de doutora em letras?

E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...

Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?

Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?

nave

ave

moinho

e tudo mais serei

para que seja leve

meu passo

em vosso caminho.*

Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.


*Hilda Hist in Trovas de muito amor para um amado senhor - SP: Anhambi, 1959.

Walking Around



Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,
do meu cabelo e até da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.

Todavia, seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou matar uma freira com um soco na orelha.
Seria belo
ir pelas ruas com uma faca verde
e aos gritos até morrer de frio.

Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,
com fúria e esquecimento,
passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,
e pátios onde há roupa pendurada num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sórdidas.

Pablo Neruda

Dom Quixote


"Tanto naquelas leituras se enfrascou, que passava as noites de claro em claro e os dias de escuro em escuro, e assim, do pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o cérebro, de maneira que chegou a perder o juízo. Encheu-se-lhe a fantasia de tudo que achava nos livros, assim de encantamentos, como pendências, batalhas, desafios, feridas, requebros, amores, tormentas, e disparates impossíveis: e assentou-se-lhe de tal modo na imaginação ser verdade toda aquela máquina de sonhadas invenções que lia, que para ele não havia história mais certa no mundo"

Trecho de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

Segredo

A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.

Carlos Drummond de Andrade

maio 12, 2009

Destraços


vazia do que chamam Tempo,
espero
enquanto dedos das minhas mãos quase
tocam a saudade que se abre em pétalas lilases
sobre o caminho anverso que percorri um dia
com os olhos fechados de tristeza.
e era tanta esta, que enchia um poço infinito e
transbordava em poemas de nada lançados aqui e
ali, pra ninguém ouvir.
assim o silêncio atormentado de palavras ocas
se revelava no espelho da alma estirada sobre uma carta
de baralho tingida pelo vermelho do sol que se deitava na Terra de então,
que era minha essa falta de tanto que vivera até ali,
e não mais
e não nunca
e não nada.
era assim, eu.

albanegromonte

De Portugal


Fala-me do tempo como se não fosse em ti
que todos os dias nascem.
Como se as estações se sucedessem
e não fosse sempre Verão na tua boca.
Como se não crescessem frutos nos teus dedos
e eu não sentisse neles o doce dos dias.
Falam-me do tempo como se nos teus braços
as horas não fossem mais pequenas
e os dias se tecessem mais devagar.
Como se o amor não obedecesse ao vento da vida
E pudesses ficar — para sempre —
a encher o mundo de presentes,
eternos como a natureza.

Margarida Antunes

Cancioneiro

A morte chega cedo,

Pois breve é toda vida

O instante é o arremedo

De uma coisa perdida.



O amor foi começado,

O ideal não acabou,

E quem tinha alcançado

Não sabe o que alcançou.



E a tudo isto a morte

Risca por não estar certo

No caderno da sorte

Que Deus deixou aberto.



Fernando Pessoa

Questão Noturna



de repente me deu, uma saudade do que nem sei o nome, ou se é que existe além do meu pensar&querer que seja. mais que de repente, em meu meu peito doeu uma dor reconhecida de forma atávica e singular, de gosto amargo feito vinho avinagrado que desce pela garganta a fora com tua imagem por dentro. imagem que gostaria de apagar, mas que insiste neste gosto de giz que se escreve e apaga diante das tempestades desérticas e passadas no lado do mar morto que é este meu coração. ainda sinto, se é que, teu gosto&cheiro no meu corpo que necessita de outro corpo&alma pra ser feliz e diferente do que sempre foi tristeza&perdas. hoje, não sei o que me deu, que desejei te rever além dos espaços cruzados que criaste para nos separar de vez. como se fosse possível. ou necessário.

albanegromonte

maio 05, 2009

Reciclando Vida



Tão bonita esta campanha...
Após a inscrição no clube das pessoas do bem, que desejam ver sua continuidade em outros que precisam agora do que já não lhe serve, recebe-se estes modelos de camisetas ou compra-se um destes pingentes bacanas que indicam o presente que você quer dar à Vida.
Vi as imagens neste site:
http://www.bemlegaus.com

Memória Da Pele


"A lei do silêncio é inútil. Quando algo nos persegue na nossa memória ou na nossa imaginação, as leis do silêncio são inúteis, é como fechar uma porta à chave numa casa em chamas na esperança de nos esquecermos que ela está a arder. Mas fugir do incêndio não o apaga. O silêncio em relação a uma coisa só lhe aumenta o tamanho. Cresce e apodrece em silêncio, torna-se maligno".


Tennessee Williams

maio 01, 2009

Diadorim


O calor do dia abrandava. Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus lugares ensombrados. Aquele verde, arenoso, mas tão moço, tinha muita velhice, muita velhice, querendo me contar coisas que a idéia da gente não dá para se entender - e acho que é por isso que a gente morre. De Diadorim ter vindo, e ficar esbarrado ali, esperando meu acordar e me vendo meu dormir, era engraçado, era para se dar a feliz risada. Não dei. Nem pude nem quis. Apanhei foi o silêncio dum sentimento, feito um decreto: - Que você em sua vida toda toda por diante, tem de ficar para mim, Riobaldo, pegado em mim, sempre!... - que era como se Diadorim estivesse dizendo.

João Guimarães Rosa

Este João diz umas coisas assim tão bonitas de imaginar, que até dá frio na barriga.

O Outro Pé da Sereia


Olhos
Vale tê-los
Se de quando em quando
Somos cegos
E o que vemos
Não é o que olhamos
Mas o que o nosso olhar semeia no mais denso escuro.

Vida
Vale vivê-la
se de quando em quando morremos
E o que vivemos
Não é o que a vida nos dá
Nem o que dela colhemos
Mas o que semeamos em pleno deserto.



Mia Couto

Herói (15 anos de saudade)



Sinto sua falta aos Domingos...
"... a vitória na ponta dos dedos... Ayrton Senna do Brasil!!!"