outubro 30, 2007

Senhor do Tempo


O meu amado é o Senhor do Tempo.

Ele me toma horas, como se fossem dias,

Dias como se fossem meses,

Meses como se fossem anos.


O meu amado, Senhor do Tempo é.

Transmuta meus ponteiros, dando ré em todos os átimos,

fazendo centelhas de segundos,

transbordando meus minutos como se fossem seus.


E são.


Todos os que sei de mim até dez meses atrás, quando sombra era,

quando existia por nada e tudo me parecia longe.

Hoje perto tenho seu olhar doce pousado nos meus cílios,

Que transcendem em coisas de ver que nem imaginava eu.


Falta me faz o que te sobra,

Senhor do Tempo que és...

O dito cujo que me levou de ti há 28.

O tal que me trouxe de volta ao enverdecido olhar que se emociona qual


E eu em ti me desarvoro

Segundos, Minutos, Horas, Meses...

Esperando os anos e séculos que se anunciam neste gostar de te amar

Neste querer te ter além de tudo


Além de mim, além desta coisa toda que renasce a cada manhã

Quando a Arara canta seus amores

Que nem eu,

Que me desmantelo, me quebro e amoleço, se me olhas assim meio que nem

Antigamente.

Ah...

E eu sedenta de ti,

Roubo dentes e pele,

Arremesso asas de tanto que nem sabia voar, mas sei.

E se este vôo existe, é para te encontrar sempre

A cada noite que finda, quando ancoro meu barco

No teu peito- porto seguro

E me faço corsário preso.


De ti eu sei que sou desde que o Tempo

(do qual és o Senhor)

não me afligia, nem dizia: Apressa-te, pois.

(Tinha eu- achava- todo ele, o tal, em mãos de fada que se fazia

Em histórias mal contadas, mas.

Veio a corrente e te levou a mim, ou não?

Nem sei.


Sei do atraso, da hora partida

Do olhar não compreendido, do desejo que se fez em outra boca, e.


Sei dos anos que correram, cisnes solitários em lago agitado, pois

Era eu a tua, e nem sabia

Eras meu, mas.


Por amor, ou não

Caminhos se desfizeram em nós.


Mas destino existe é pra se cumprir

E no atlas traçado há tanto,

Eu, caçadora de ti, achei, encontrei

Teu olhar emocionado sob pálpebras que mais pareciam liras.

Ou lírios.

Mas sim amarelos, que era a cor com que te cobrias.


E atirei a margarida sonsa no teu caminhar

E me interpus

E me fiz de novo Eu


Tua, como sempre se soube


Amado Senhor do Tempo és.

E me tomas passado e futuro num presente que é de nós dois.

Nós, a Vida, o Sentimento e.


albanegromonte


(ao homem que amo, quando 10 meses se fizeram em nossas mentes,

tantos anos que nem se conta, pra não saber a idade)

Passos


ainda te direi mais deste grande amor.


te contarei dos dias que se diluiam em noites eternas e perigosas, onde eu escorregava minha sanidade, em paralepípedos de pesadelos, em febres mortais, em potes de água e sal que se chamavam então lágrimas de dor.


te direi do salto no escuro, da flor que murchava sem gota de orvalho sequer, do meu coração que só batia quando não podia mais ser outra coisa a manter-me viva.


te contarei da solidão, da vontade sombria, da voz que calava em minha mente aquilo tudo que sabe-se ser desumano, ser perigoso.


te direi da desesperança, da ausência de cores, do perfume que se esvaía no ar rarefeito, das crianças magras que me pediam abrigo numa alma que se transmutava em pedra, em cal, em mármore azulado.


era eu.


te contarei do arco-íris amarelo que te envolveu e do sorriso teu que ultrapassou a geleira dos pixels, chegando quente ao meu olhar seco e quase cego. eu também sorri, e de volta um calor de onde nem sei me trouxe paz por um interminável segundo que rodou meus relógios todos.


e então colinas do meu peito se abriram em clareiras e o sol apareceu por trás das nuvens que não mais carregavam chuva. devagar e sempre, teu eco de carinho se espalhou pela 232 e fomos num dia de dezembro que terminava em um ano que nem era assim tão bom, pelas calçadas do antigo bairro onde eu morava e não mais.


e veio o tempo de reconhecer em cada letra, cada verso, cada gesto, o poder deste sentimento que se agigantou em nós, que derivou em lavas incandescentes pelas nossas encostas, nossas costas.


e eu te pedi, me ama. e me amaste como nunca fora. e eu a ti, entreguei coração retraçado em linhas que só diziam de ti.


agora somos nós dois.


e esta festa toda que se chama Vida é nossa.


albanegromonte

outubro 26, 2007

Vitral


pois enquanto eu era sem ti, meus olhos se apagavam quando acendia o sol.

e não havia brilho, e não havia cor

enquanto.

era eu pedra no lado esquerdo do peito

tambor desavisado que batia em descompasso com a música da vida

que corria lá fora da minha janela,

longe das marcas do meu passaporte pra lugar nenhum, pois não estavas lá

enquanto.

era eu sem ti, uma vela içada, parada no mar que então se fazia em silêncio

era perfume solto na flor abandonada no asfalto

era assim.

mas tu me chegaste, sem me avisar da vinda

e azul se fez em meus olhos,

e cores todas se aconteceram sem que eu nem conseguisse conter

aí veio a luz

veio o ser feliz com nada, com tudo

veio tua vida se entrelaçar na minha

e meu coração bateu enfim no compasso de um amor

que reinventou minha alma

que desafiou o tempo

e que se fez em nós.

enquanto sempre seremos assim.


albanegromonte

outubro 23, 2007

Dia


Amanhece e abro a porta do céu

pra espalhar carinhos de nuvens no teu peito.

Invento frases, palavreio e converso miolo de pote

Enquanto distraio a mesmice do dia

Nada pode ser do mesmo enquanto acordar a teu lado.

E te afago os cabelos, beijo teus olhos, faço cócegas e dou risadas do despertador que se atrasa todo dia

E te tomo em minhas mãos

E te digo amor em todos os tons

Visto o pijama, faço café e te pergunto enquanto a água morna te percorre de inveja

O que queres, senhor meu?

E tua/minha risada ecoam pelas paredes desta nossa caverna

Salto do salto, descompasso na janela que se fecha

E seguindo os ponteiros do relógio, abro o carro te solto um beijo de pálpebra e

teu sorriso me acompanha na rua de pedras centenárias

Enquanto o sinal está fechado ponho cor de cassis na boca que te implora

Aceno pro motorista que buzina impaciente e te envio bilhete através do asfalto por onde

rodas do teu carro passarão logo mais:

Te amo mais que tudo, e sempre

Bom dia e até um minuto adiante.

Cada vez mais tua e.


albanegromonte

A Carta




Prezada Nena,

Espero que esta lhe encontre gozando de muita saúde, assim como todos os seus.

Nem três meses faz que a gente chegou aqui e já deu pra reparar que as diferenças daí são muitas, porém são muitas também as parecenças.

Este Rio de Janeiro é tão amostrado, Nena, que parece até que a gente tá na França de tanto canto lindo que aparece. Por outro lado, tem hora que dá pra jurar que aqui é aí, tamanha a desgraceira. O povo daqui, sendo rico ou sendo pobre, fala igualmente alto. Só não sei o motivo de tanta gritaria, se é falta de alegria ou se é falta de tristeza.

O Maracanã é grande mesmo, e se a pessoa for arrodear ele a pé leva bem meia hora, Nena.

A Lagoa por fora é uma beleza, infelizmente é estragada por dentro.

O que você não ia acreditar era em cada túnel, não sei quantos, devido ao fato de aqui ter muita pedra. O Cristo Redentor, quando acende lá em cima, é todinho o Cristo Redentor, exato como ele aparece nas novelas. Já o Pão de Açúcar, esse de fato são dois, o maior e o menor, mesmo tendo nome de um apenas. Se Nossa Senhora me der um tantinho assim mais de coragem, juro que ainda tomo aquele bonde.

O céu daqui fica muito mais perto do chão do que o daí. É só olhar pro topo dos prédios e lá está ele, parado, logo ali em cima, diariamente. Dia que tem nuvem só se enxerga o pé do morro. Noite que tem chuva só se escuta a choradeira.

A gente vai levando como Deus quer e consente, ora é uma coisa, ora outra, ora nem uma coisa nem outra, e é aí que o negócio pega. De trabalho mesmo só me apareceu uma faxina, dia de quarta, na casa de uma mulher que mora em Copacabana. Ela não paga muito não, em compensação tem tanta prata que dá até gosto limpar tudo e depois empilhar bem direitinho.

Avise a Neto que, quando as coisas melhorarem, eu começo a juntar dinheiro pra comprar o celular dele. Quem sabe até o fim do ano eu deposito uns duzentos. Mande dizer o número da conta, mas copie com cuidado, que de outra vez o algarismo veio errado e foi uma agonia de vai no banco e volta não sei quantas vezes, isso que você não avalia o tamanho da fila.

Não fosse a perna de mãe que não desincha nem com antibiótico nem com rezadeira, de resto tudo tá mais ou menos nos conformes. Só não sei dizer o que é pior, se é o custo de vida ou a saudade, pois aqui não tem cheiro de cana, Nena, e até hoje não vi um único pé de algaroba pra chorar mais eu, portanto tenho que chorar sozinha.

Eu continuo procurando um quarto grande que dê nós quatro dentro, pois morar de favor na casa dos outros, além de ser bastante desagradável, ainda por cima é ruim demais. Por mais que se ajude na despesa e no serviço, pensa que resolve? Olhe que se tem coisa que eu não sou é desagradecida, mas tia Carminha vive de cara feia, e as meninas reclamam de tudo, é um aperto danado, imagine só o desmantelo. Tem dia que eu me dano a andar cidade afora somente pra não escutar queixa por queixa. Esquecendo as desavenças, vai se indo.

Para o mês, Mariinha completa quinze anos. Na ausência de festa, faz-se um bolo. Ela está namorando um rapaz muito direito que toma conta de carro em rua de rico, embora eu pense que ela ainda não esqueceu Zé Geraldo aí do posto. Júnior arrumou emprego, mas desarrumou em seguida, e tá parado no momento. Eu mesma já repeti mais de mil vezes pra ele largar de ser desleixado e tratar logo de aprender a mexer em computador, pois hoje em dia quem não se entende com o dito não arranja nada decente nessa vida. Pelo visto ele puxou mesmo ao pai, inclusive na leseira.

Por falar no desinfeliz do pai dele, já bati a cidade inteira e ainda não encontrei o homem. Também, como é que eu ia adivinhar que o Rio de Janeiro era tão grande?Tenho pra mim que ele tava era me enganando o tempo todo com essa conversa de mandar buscar a gente no Natal, ou então não teria escrito o endereço errado, que essa tal rua que ele falou nem existe, Nena.

Se eu encontrar o triste, ligo a cobrar avisando. Dia de domingo é mais barato. Mesmo não encontrando, ligo de todo modo, uma vez que, com homem ou sem ele, a vida segue.

Nena, não se esqueça de aguar minhas plantas nem de dar de comer à Duquesa.

Deus lhe pague em dobro tudo que você fez por mim, por mãe e pelos meninos.

A sorte ajudando, dia desses eu tiro na raspadinha e mando passagem de leito pra você mais Neto virem conhecer o Rio. Reze daí que eu rezo de cá.

Dê lembranças minhas a todos e aceite todo o carinho da sua eterna amiga,

Doris.


Adriana Falcão

outubro 17, 2007

Fragmento De Carta.


Carta escrita por Manuel Bandeira a Mário de Andrade, na década de 30, relatando sessão musical comVilla-Lobos na casa deste último


"Depois do jantar, Villa cantou duas coisas de uma série de serestas que está compondo. A primeira é A Pobre Cega. A segunda é O Anjo da Guarda. A música do Anjo está matando, parece uma tarde que não acaba mais. Fiquei com os olhos cheios d'água e me atraquei com o Villa. Beijei-o. Que bruta comoção, puta merda! Quando ele diz: "um anjo moreno violento e bom - brasileiro" é tal e qual a minha irmã, Martha. A música é de uma simplicidade e uma elevação. Toda consoante, mas de técnica bem moderna. Imagine, o acompanhamento é um tema sincopado popular e, antes de começar o canto, o piano faz o floreio de violão. Começa o canto. Quando chega "ao pé de mim", há um AH!, e o piano faz um intermezzo movimentado e depois volta a baita melancolia do canto com que canta a melodia, que vai ficando suspenso. Eu senti uma felicidade! Vai demorar a se publicar, porque o Vila já vendeu a suíte para o Sampaio Araújo, que manda imprimir na Alemanha. Porém, eu arrumei com o Vila mandar tirar cópia para mim. Depois tirarei uma pra você, pois estou doido que você conheça".

Testamento

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros - perdi-os...
Tive amores - esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino,
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

Manuel Bandeira
...el cronopio observa el cielo que desciende...

outubro 04, 2007

Julio

"Y despues de hacer todo que lo hacen, se levantan, se bañan, se entalcan, se perfuman, se peiñan, se visten, y así progresivamente van volviendo a ser lo que son."

Julio Cortázar Um certo Lucas
Buenos Aires.
EditorialSudamericano, 1979

outubro 03, 2007

Um Chamado João


"João era fabulista?

fabuloso?
fábula?

Sertão místico disparando

no exílio da linguagem comum?

Projetava na gravatinha

a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?

Um estranho chamado João

para disfarçar, para farçar

o que não ousamos compreender?

Tinha pastos, buritis plantados

no apartamento?

no peito?

Vegetal ele era ou passarinho

sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?

Era um teatro

e todos os artistas

no mesmo papel,
ciranda multívoca?

João era tudo?

tudo escondido, florindo

como flor é flor, mesmo não semeada?

Mapa com acidentes

deslizando para fora, falando?

Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?

sem misturar, sem conflitar?

E de cada gota redigia nome,
curva, fim,e no destinado geral

seu fado era saber

para contar sem desnudar

o que não deve ser desnudado

e por isso se veste de véus novos?

Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelador

e precipites prodígios acudindo

a chamado geral?
Embaixador do reino

que há por trás dos reinos,
dos poderes, das

supostas fórmulas

de abracadabra, sésamo?
Reino cercado

não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria

se lhe perguntavam
que mistério é esse?

E propondo desenhos figurava

menos a resposta que

outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não sei
o nome) ou ele mesmo era

a parte de gente

servindo de ponte

entre o sub e o sobre

que se arcabuzeiam de antes do princípio,
que se entrelaçam

para melhor guerra,

para maior festa?

Ficamos sem saber o que era João

e se João existiu

de se pegar."


Carlos Drummond de Andrade - 22/11/1967