setembro 18, 2006

Insanidade Na Madrugada


Estrelas incontáveis
Incendiaram hoje
O céu bilaquiano da minha boca
E eu, que nem sei a cor dos teus lábios
Ouvi os demônios dizendo Amém
À tua língua que docemente passeava pelo fogo
Sem se queimar
Aliviando-me a solidão dos dias.
Acalmando-me os calores das noites insones

E no céu azul-cobalto em fogo
Minha carne tremeu como numa fita de Almodovar
E fui Frida contigo cravado em minha testa
Dando-te o leite da vida
Que em ti, se inicia

Senti frio
Olhei a foto que não é tua
Li teu recado rápido
Te joguei um poema que não fiz, a teus pés que mal
Aprenderam a andar.

Meu poeta maior
Diz num lindo escrito que deixará para amanhã o que precisa fazer hoje.
Eu, que arremedo poesias de coisas aquelas todas que se sabem
Digo que farei hoje
O que não poderei amanhã
Por falta de coragem.
Por medo.
Por covardia.

O aeroporto, meu Deus, é tão perto
E já dizia Bandeira
A solução é mesmo dançarmos aquele tango argentino
Numa praça iluminada por estrelas cadentes e cometas perdidos
No teto dos deuses celtas
Num lirismo medieval
Que tu, menino bonito, me disseste ser este meu nome.
E soltarei os cabelos
E pintarei os lábios
E uma rosa me darás para enfeitá-los
E meu braço no teu abraço
Será o infinito dos dias que tiverem que ser nesta era
Já tivemos outras
Tu sabes.
A bruxa te leu a mão.

Não te quero amanhã, meu menino bonito.
Te quero hoje enquanto sou
Tua dama latina, tua poesia medieval, tua loba que se transforma em um átimo em vampira.
Minha coxa espera teus dentes.
Minha boca o teu beijo.
Meu afago teus cabelos...
Espera por mim?

albanegromonte

setembro 17, 2006

Como Sobrevive-se a Um Poeta Passarinho? Quintana, Teu Nome é Poeta!


Obsessão do Mar Oceano

Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso,
Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.

Mario Quintana

setembro 15, 2006

Lady Cronopio Num Dia Distante


Pedra de sal nas pernas molhadas de mar, rosa amarela flutuando nos cabelos negros e vestida de nada, ela segue as ondas derramadas na areia. Risca no ar um nome com sua varinha de condão (digo isso, porque ela parece uma fada), lança um desejo e aguarda a Madrinha resolver se entrega de vez a este homem voz, canção e poesia, por quem ela espera há séculos. Na areia, encontra um espelho e se vê com olhos de mulher feita. Já não é mais uma menina, mas traz nos sulcos indefinidos, as marcas de tudo que sentiu neste mundo em que vive há tanto... Cada lágrima, cada sorriso, cada esperança perdida e reencontrada, cada pedaço de vida e nenhum de morte, que desta ela se livrou. Lamenta que o elixir foi-lhe oferecido tão tarde... Lamenta que Ele não tenha tomado também. Sorri um sorriso meio de lado que lhe contorce os lábios vermelhos de desejo. Sabia que o encontraria um dia. Sabia que a vida não se acabaria num fio de navalha covarde, numa noite tão feia, quando Paris era feia, e cheirava a excrementos e sangue humano. Agora que o encontrara, voltava ao mar para exigir a promessa da Madrinha, que por lá e naquele tempo tinha outro nome... Até os deuses mudam. Entra no mar sem medo, mergulha a cabeça nas ondas frias e abre os olhos pra ver... Um cavalo-marinho se aproxima, abre a boca e a beija. Um beijo de água e sal. Um beijo molhado. Um beijo de tudo. Ele se agarra às suas coxas e dissolve saudade em fragmentos de gozo. Ela reconhece o beijo, o abraço, o toque certeiro e sereno de quem sempre soube como ela gosta. Sua cabeça fica tonta, seus braços e pernas se deixam levar pelo peso da sua vontade de se abandonar ali. O seu corpo, a carrega até a superfície. Ela acorda com a brisa da noite tocando seu rosto. Atenta ao silêncio, ouve um assovio dolente e longínquo... Levanta-se, olha pro mar que mais uma vez a devolveu e pensa que agora já sabe onde ele se escondeu todo esse tempo. Sorri para seu umbigo e decide viver.

albanegromonte

setembro 10, 2006

A Matilde Urrutia


minha muito amada,
grande padecimento tive ao escrever-te estes malchamados sonetos
e bastante me doeram e custaram
mas a alegria de oferecê-los a ti é maior que uma campina.
Ao propô-lo bem sabia que ao costado de cada um,
por afeição eletiva e elegância,
os poetas de todo o tempo alinharam rimas
que soaram como prataria, cristal ou canhonaço.
Eu, com muita humildade, fiz estes sonetos de madeira,
dei-lhes o som desta opaca e pura substância
e assim devem alcançar teus ouvidos.
Tu e eu caminhando por bosques e areais,
por lagos perdidos,
por cinzentas latitudes recolhemos fragmentos de pau puro,
de lenhos submetidos ao vaivém da água e da intempérie.
De tais suavíssimos vestígios construí
com machado, faca, canivete estes madeirames de amor
e edifiquei pequenas casas de quatorze tábuas
para que nelas vivam teus olhos que adoro e canto.
Assim estabelecidas minhas razões de amor te entrego esta centúria:
sonetos de madeira que só se levantaram porque lhes deste a vida.

Pablo Neruda

Lady Cronopio Fala...


... hoje não foi um dia fácil
o meu cronópio sumiu na floresta e o chapeleiro não me deu notícias.
Fiquei só na caverna, lendo Cortazar.
E comendo chocolates.

Nunca me canso. Nem de Julio. Nem de chocolates.
Aprendi a subir escadas.

Falta a aprender a desamar.

O amor só faz bem no início. quando acaba é o inferno que se assoma.

E isto nem Julio sabia.

Lady Cronopio

Sobre Feitios Poéticos


"Poesia é uma disciplina tirânica.
Você tem de ir tão longe, tão rápido, em tão pouco tempo, que nem sempre é possível dar conta do periférico.
Num romance talvez eu possa conseguir mais da vida, mas num poema eu consigo uma vida mais intensa." (...)
"Não estou falando de poemas épicos. Falo do poema curto, não oficial. Como descrevê-lo? Uma porta se abre, uma porta se fecha. Entre os dois momentos você tem um golpe de olhar: um jardim, uma pessoa, uma tempestade, uma libélula, um coração, uma cidade...
O poeta se torna um especialista em fazer as malas."

Sylvia Plath

Borges e o Amor


É o amor.
Terei de me esconder ou fugir.
Crescem as paredes de seu cárcere, como em um sonho atroz.
A bela máscara mudou, mas como sempre é a única.
De que me servirão meus talismãs:
o exercício das letras, a vaga erudição,
o aprendizado das palavras
que usou o áspero Norte para cantar seus mares e suas espadas,
a serena amizade,
as galerias da Biblioteca,
as coisas comuns,
os hábitos,
o jovem amor de minha mãe,
a sombra militar de meus mortos,
a noite intemporal,
o gosto do sonho?
Estar contigo ou não estar contigo é a medida de meu tempo.
O cântaro já se quebra sobre a fonte,
já se levanta o homem à voz da ave,
já escureceram os que olham pelas janelas,
mas a sombra não trouxe a paz.
É, eu sei, o amor: a ansiedade
e o alívio de ouvir tua voz, a espera e a memória,
o horror de viver no sucessivo.
É o amor com suas mitologias,
com suas pequenas magias inúteis.
Há uma esquina pela qual não me atrevo a passar.
Agora os exércitos me cercam, as hordas.
(Este quarto é irreal; ela não o viu.)
O nome de uma mulher me delata.
Dói-me uma mulher por todo o corpo.

Jorge Luis Borges, em "O Ameaçado".

Constatação de Poeta

ph Eduardo Barrox
"As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental"


Vinícius de Moraes

Carícia

ph Eduardo Barrox
... não queira ser meu amor.
eu não quero ser o seu amor,
não pretendo, em meu sonho turvo,
ser teu leste, oeste quero ser qualquer direção ...
não pense em me socorrer, quando os atropelos da vida me virarem pelo avesso.
quero você, assim, longe do que é escuro,
do que é dor.
chegue pra mim sem hora certa sem promessa vã,
sem espada gloriosa que me salvará do terrível dragão
seja o que sempre desejei.
meu sul, meu oeste meu porto peito seguro
onde ancorar minha cabeça de menina que sou,
ainda na alma seja meu ouvir.
meu falar e me ouça cantar
que o tempo seja bom pra nós dois
e nos torne juntos
antes que o pó se junte na cortina
e que sempre eu seja o seu quase querer pra sempre
e que você seja sempre, meu maior bem-querer vivido
e que quando este mesmo deus da hora de agora nos abandonar,
seja dia claro de sol suave
e que possamos dizer que sim,
foi muito bom nos encontrarmos neste instante de hoje,
ou amanhã, quem saberá?
mas que será!

albanegromonte

Imaginarium


Bebo teu beijo imaginado
como o bêbado bebe a última gota de cachaça no fundo da garrafa:
Com satisfaçao sádica.
Aprecio os teu delírios de palavras&imagens
soprando pra dentro de ti minhas loucuras
perdidas&desencontradas
E assim... fazemos quebra-cabeças de imagens&palavras
onde cada um perderá a sua.
- quem será a Alice desta história?
prefiro ser o Coelho já que cheguei atrasada na tua história.
Teu abraço é um sonho construído por mim,
de mil mundos nunca vistos e dimensões
que creio existirem além das cascas de nozes
Teu beijo imaginado suga de forma única e inútil a minha alma,
mas me curvo de pronto nessa entrega
avessa, real&virtual de delirios imensos
que não posso aquietar.
Nem com todos os sonhos do mundo.
Meu corpo é escravo desta tua imagem criada no meu peito,
tatuada no coração que pulsa&pulsa por baixo da blusa diáfana.
-Será minha alma, que também pulsa por baixo da pele morena, um pássaro em vôo suicida?
(Teu olhar imaginado, tem a negritude de um mar infinito,
onde posso mergulhar e me afogar)
Bebo teu corpo como o vampiro bebe o sangue da sua amada.
Bebo tua alma como os demônios e os anjos bebem o delírio das almas incautas.
És minha presença em mim.
Tua sombra sou eu, que te invoco em sonhares acordados.
Em terras de gente foragida ou devastada pelas guerras dos homens:
lá estou para te lembrar, que estás em mim, ainda que não queiras admitir.
Em ilha afogada em pântanos,em lagos assombrados e em rios indomáveis.
Sou realejo que toca canções assombrosas&melodiosas
rasgando o silêncio da eternidade.
Nestes recantos intocáveis e invisíveis aos olhos não-líricos,
lá estou para lembrar-te que tu vives da lembrança que só eu poderei te dar.
Pois tu és sombra&luz que me assusta e faz-me um tanto feliz
Eu sou a tua luz&sombra que entontece.
Somos o desacerto
da noite com o dia, do sol com a lua, do mar com o horizonte, de Deus com o Diabo.
Somos estrelas,
somos carne,
somos espírito e ossos inquebráveis.
Somos luz, e também sombra que se acende
e que, inevitavelmente apagará nossas memórias
um dia...

albanegromonte

Adelia Prado. Uma Rainha

É impossível no mundo estarmos juntos
ainda que do meu lado adormecesses.
O véu que protege a vida nos separa.
O véu que protege a vida nos protege.
Aproveita, pois, que é tudo branco agora,
à boca do precipício, neste vórtice e fala
nesta clareira aberta pela insônia
quero ouvir tua alma a que mora na garganta
como em túmulos esperando a hora da ressurreição,
fala meu nome antes que eu retorne ao dia pleno,
à semi-escuridão,

Adélia Prado

Inspiração (para Cris N.)

ph Eduardo Barrox
houve um momento, num espaço indefinido nesta minha vida, em que me faltaram palavras pra dizer o que sentia. neste momento, uma poeta/mulher/amiga, me fez perceber o que existe além da flor do tempo... e foi para ela, que burilei este.

Palavra que foge, que segue em frente
sem ouvir meu grito meu chamado,
minha súplica.
Palavra deitada no meu pensamento,
serenamente cochilando como se fosse inocente cristão perdoado pelo Pai.
Palavra que chega na ponta da língua que eu lambo e engulo,
e que queima na garganta silenciosa.
Palavra verde, palavra madura nascida do ventre
que arremessa tudo nas telas dos papéis em branco
-como se fossem tela-
as páginas do livro-
Palavra de rei que não volta atrás
de mulher que se arrepende
de mãe que promete e cumpre
as lágrimas perdidas nos entardeceres das infâncias
Palavra que peço a Deus, a você
-(que me lê)
que me dê empreste ou venda fiado
pois só posso pagar quando escrever um poema
ou conto de fadas pra colher o fruto
que meu coração incontido em tanto prazer de se ver
-mais uma vez escrito
colherá quando vier a perdida palavra
inspiração

albanegromonte

Rayuela, Cap VII


Toco tu boca, con un dedo toco el borde de tu boca, voy dibujándola como si saliera de mi mano, como si por primera vez tu boca se entreabriera, y me basta cerrar los ojos para deshacerlo todo y recomenzar, hago nacer cada vez la boca que deseo, la boca que mi mano elige y te dibuja en la cara, una boca elegida entre todas, con soberana libertad elegida por mí para dibujarla con mi mano por tu cara, y que por un azar que no busco comprender coincide exactamente con tu boca que sonríe por debajo de la que mi mano te dibuja.

Me miras, de cerca me miras, cada vez más de cerca y entonces jugamos al cíclope, nos miramos cada vez más de cerca y nuestros ojos se agrandan, se acercan entre sí, se superponen y los cíclopes se miran, respirando confundidos, las bocas se encuentran y luchan tibiamente, mordiéndose con los labios, apoyando apenas la lengua en los dientes, jugando en sus recintos donde un aire pesado va y viene con un perfume viejo y un silencio. Entonces mis manos buscan hundirse en tu pelo, acariciar lentamente la profundidad de tu pelo mientras nos besamos como si tuviéramos la boca llena de flores o de peces, de movimientos vivos, de fragancia oscura. Y si nos mordemos el dolor es dulce, y si nos ahogamos en un breve y terrible absorber simultáneo del aliento, esa instantánea muerte es bella. Y hay una sola saliva y un solo sabor a fruta madura, y yo te siento temblar contra mí como una luna en el agua.

Julio Cortazar

setembro 09, 2006

Alcoolicas I

É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A Vida é líquida.

Hilda Hilst

setembro 05, 2006

Centauresse


Sim, era mesmo injusto que de tamanha beleza mítica só se imaginasse o masculino.
Arte de Margot Pitra.

setembro 03, 2006

Fabula II

Bruxinha Amada.
Irmã sangue do meu partner.
Em ti encontro o Eco necessário.
Minha Dor, se era, mirou pontaria e se foi.
Hoje voltou devagar e lenta.
Dói.
Espinho cravado na garganta, sim.
Mas dura o Tempo que se desejar.
Eu não.
Espero o vão da realidade abrir algo para que eu possa novamente e sempre,
FelizSer.
Mereço, sei que.
Sim, os fios desencapados da alma se partem agora
mas na rede acalento teu sono como o do Poeta madrugada que se foi.
Falta faz, mas sei que amanhã ou Dia qualquer voltaremos
a dialogar e duelar nesta alquimia brava
dos que sãoInutilmente sós
E à toa.
Nunca mais
serei eu.
Sempre esta Trindade Mágica.
Nossa.Beijos e.
Guarda, publica ou Nada.
Serei sempre aqui.
Tua.E Dele, sim.
Meu planeta enviesado e despejado.
Galáxia toda que implora: volta, Seth.
Aqui estamos nós,Anões de Jardim
Órfãos da Tua sanidade inquieta e
imprópria pra tão poucos anos.
É.
Eu.
Amor e Aquela Toda Coisa
Sempre.

albanegromonte



Moça deste lado ai...
O que se faz?
para dormir quando se tem que dormir
e não se quer?
Mas se necessita.
Dor se tornar calada quando instalada
mas não menos gritada
Pode isso?
Pode.
Dormindo,deita os olhos e descansa
no fio que corre mente adentro,dormindo eu sou,
posso.
Os pensamentos se agitam
as letras se embaralham
e se enfileiram, não por isso,nada de ordem nelas, que corram soltas na madrugada silenciosa.(na onde só o malditogalo canta!)
Trindade Mágica,
com hábitos crepusculares e noturnos,
a face se forma um coração
e voamos silenciosos.
Corujas Perdidas?
Sim, que se encontram de tempos em tempos
para arrulharem seus gostos e desgostos....
vítimas ou não na Roda Cíclica da vida,
apenas somos.

Fabula


Sim somos.
Alquimistas embaralhados?
Corujas perdidas?
Vampiros ameaçados?
O Sol se vem.
Se é Sol.
Se basta, ele.
A Nós, Trindade, resta o cansaço de Ser
e Estar em qualquer.
Direção ou trilho.
Trem ou Nuvem.
Não sei, e tu?
Quem escoa do Caldeirão a Magia suprema que nos une?
Ah!Mas em ti vamos nos encontrar.
Amanhece aqui deste lado.
O mar arrulha proezas de sereias e tritões.
Netuno se desfaz em galanteios a Iemanjá.
E eu ouço o Galo.
Canta, miserável dos Dias.
canta e me deixa fechar os olhos cansados de tudo.
Pra ver o Nada que se impõe nas letras atordoadas de Tudo
que se vão rede afora
como Poeta que dorme
e a Bruxa que sente
e eu, Mortal ou não?
Acendo a vela negra tinta de sangue violeta
que é a cor mais triste que há.
Disse a Maga, sábia de Julio no
Juego
de Amarelinha.
Evohé, Cortazar.
Salve a Trindade e abençoa em Nós
a secura e a ãnsia de sermos mais que sombras.
Aqui ou Lá.
Onde estão o que o sangue uniu
e eu sem sangue e com dores
me arremeto pra ser
a ponte
O vértice deste triãngulo que se fazem rocas de princesas
e que serei assim
deles o Sal.
Amém.

albanegromonte

A Sol (quem se sabe, é)


Como saber de ti
Luz Sol em mim?
Que não seja pelo raio que passa
Nuvem baixa demais na minha janela,
Ou pelo calor
quem vem desta voz suave
Voz que me deleita
Em trinados de pássaro pequeno e veloz
Através da madrugada
Em que Teu brilho é só meu
E só em meu corpo queima e acende esta Luz que
Vem de ti.
Sol
Verão todos o que és em minha história
Antes que se descarrilhem os trilhos da verdade
Antes que sedentos de sangue se atrevam às nossas peles
Antes que se vá o que sempre se
Esvai em meus sonhos de ti em outros que tive e fui
Sol Luz
Minha suave e morna decisão de ser
Tu e Eu
Nós
Num só pôr-de
Sol
Em mim e em Ti
Sol
Vem!

albanegromonte

Ah, Cortazar...



"Creo que soy porque te invento,
Alquimia de águila en el viento
desde la arena y las penumbras,
y tú en esa vigilia alientas la sombra
com la que me alumbras
y el murmurar com que me inventas."

Julio Cortazar

Fim De Caso


CENA:

no aeroporto, casal tomando vinho pouco antes da partida. ela com o olhar perdido no painel da companhia, fazendo de cabeça, as contas dos dias para voltar. ele, blasé, olha enviesado para uma garota que passa de calça jeans rasgada no joelho e com cabelos pintados de azul, pensando em como se livrar logo desta história que já durou demais da conta. a mão dela procura a dele, que disfarça, arruma os cabelos e começa a falar baixinho...

MONÓLOGO:

Desculpe-me interromper seu pensamento tão distante, mas acho que chegou a hora de conversarmos feito gente grande. E não faz essa cara de espanto que você já sabia que isto ia acontecer... até andou perguntando outro dia se ainda gosto de você. Ah, então era técnica de revista feminina pra que eu me declarasse enfim apaixonado por você. Sinto muito, não entendi. pensei que era apenas mais um daqueles seus ataques de carência afetiva que me enlouquecem desde o primeiro dia em que te vi. Relevei na hora pois você é muito gostosa. desculpaaaaa... pensei que isto melhoraria sua auto-estima e facilitaria o que não dá mais pra ocultar: é verdade: não gosto mais de você. Não quero mais estar na sua vida. Apague meu endereço de e-mail, rasgue a foto que te dei, risque meu nome da sua agenda e por favor não me telefone mais no meio da noite que ao contrário de você, pessoas normais precisam dormir. Ah, e não se despedace em letras mancas, plenas de lirismo pra mim. Isto não fará diferença alguma. Duro? estou sendo duro? Acho até que amoleci nos últimos tempos... Estou te contando antes que me veja com outra. Isso é consideração. E por favor, pare de chorar que todo mundo está olhando e você sabe o quanto detesto exposição em público. Nunca beijei você na frente das pessoas, porque agora iria enxugar estas lágrimas repetidas? Pára, por favor... você sabe bem que é esta sua alma de poeta, que a faz sofrer tanto a cada perda. Não sou tão importante assim... foram poucos dias... você mal me conhece. Nem sabe o que gosto de comer, que assisto a filmes trash na madrugada, que curto futebol de botão... E pra falar a verdade nem é bom que saiba mesmo, agora que tudo se acabou. Acabou, viu? Então agora enxuga esse olhinho bonitinho, arruma o baton, termina este vinho na taça e vamos embora que seu avião já vai partir. A gente se vê por aí. Você é muito legal e uma mulher bonita. vai encontrar quem lhe mereça. Eu não presto. Sério. Beijo. Na testa. Portão 3. Não esquece. Boa viagem. E não precisa me ligar quando chegar.

albanegromonte

Do Ventre Da Alma


Pois...
só o que te peço nesta hora intranquila de solidão
é uma palavra que diga mais
que um qualquer dito a quem quiser ouvir.
o que te peço neste momento
é um carinho bem no centro do coração
que já aprendeu a sentir tua ausência

só o que preciso nesta hora
é da tua mão na lágrima cansada
que corre pelo rosto
através do corpo tatuado por teu carinho
de um Outubro nublado
o que preciso nesta hora é que me digas
que sim ainda posso sonhar
de te querer
de te poetar
de te desejar nas noites que se vão longe de ti
de te penetrar a alma e te fazer feliz
apenas peço e preciso
da tua presença nos meus amanheceres
na rosa e na lua fotografadas pelos teus mágicos olhos
da tua palavra afago no fim do dia
de tua voz vez em quando
apenas...

albanegromonte

setembro 02, 2006

To Marilyn


Ernesto Cardenal con la, sacristía o, bella Oración por Marilyn Monroe:

Señor
recibe a esta muchacha conocida en toda la tierra con el
nombre de Marillyn Monroe aunque ese no era su verdadero nombre
(pero Tú conoces su verdadero nombre, el de la huerfanita
violada a los 9 años
y la empleadita de tienda que a los 16 se había querido matar
y que ahora se presenta ante Ti sin ningún maquillaje
sin su Agente de Prensa sin fotógrafos y
sin firmar autógrafos sola como un astronauta frente a la noche espacial.
Ella soñó cuando niña
que estaba desnuda en una iglesia
(según cuenta el Time) ante una multitud postrada,
con las cabezas en el suelo y tenía que caminar
en puntillas para no pisar las cabezas.
Tú conoces nuestros sueños mejor que los psiquiatras.
Iglesia, casa, cueva, son la seguridad del seno materno
pero también algo más que eso
Las cabezas son los admiradores, es claro
(la masa de cabezas en la oscuridad bajo el chorro de luz).
Pero el templo no son los estudios
de la 20th Century-Fox que hicieron de
Tu casa de oración una cueva de ladrones.
Señor en este mundo contaminado de pecados y radiactividad
Tú no culparás tan sólo a una empleadita de tienda.
Que como toda empleadita de tienda soñó ser estrella de cine.
Y su sueño fue realidad
(pero como la realidad del tecnicolor)
Ella no hizo sino actuar según el script que le dimos
--El de nuestras propias vidas--
Y era un script absurdo.
Perdónala Señor
y perdónanos a nosotros
por nuestra 20th Century
por esta Colosal Super-Producción
en la que todos hemos trabajado
Ella tenía hambre de amor y le ofrecimos tanquilizantes.
Para la tristeza de no ser santos se le recomendó el Psicoanálisis.
Recuerda Señor su creciente pavor a la cámara
y el odio al maquillaje
--insistiendo en maquillarse en cada escena--
y cómo se fue haciendo mayor
el horror y mayor la impuntualidad a los estudios.
Como toda empleadita de tienda soñó ser estrella de cine.
Y su vida fue irreal como un sueño que un psiquiatra interpreta y archiva.
Sus romances fueron un beso con los ojos cerrados
que cuando se abren los ojos se descubre
que fue bajo reflectores y apagan los reflectores!
Y desmontan las dos paredes del aposento
(era un set cinematrográfico)
mientras el Director se aleja con su libreta
porque la escena ya fue tomada.
O como un viaje en yate, un beso en Singapur, un baile en Río
la recepción en la mansión del Duque y la Duquesa de Windsor
vistos en la salita del apartamento miserable.
La película terminó sin el beso final.
La hallaron muerta en su cama con la mano en el teléfono
Y los detectives no supieron a quién iba a llamar.
Fue como alguien que ha marcado el número de la única voz amiga
y oye tan sólo la voz de un disco que le dice:
WRONG NUMBER
O como alguien que herido por los gansters alarga
la mano a un teléfono desconectado.
Señor quienquiera que haya sido el que ella iba a llamar y no llamó
(y tal vez no era nadie o era Alguien cuyo número no está en el Directorio de Los Angeles) contesta Tú el teléfono!

Ernesto Cardinal

Do You Wanna Dance?

ph Eduardo Barrox
Harvest Moon


Come a little bit closer
Hear what I have to say
Just like children sleepin'
We could dream this night away.
But there's a full moon risin'
Let's go dancin' in the light
We know where the music's playin'
Let's go out and feel the night.
Because I'm still in love with you
I want to see you dance again
Because I'm still in love with you
On this harvest moon.
When we were strangers
I watched you from afar
When we were lovers
I loved you with all my heart.
But now it's gettin' late
And the moon is climbin' high
I want to celebrate
See it shinin' in your eye.
Because I'm still in love with you
I want to see you dance again
Because I'm still in love with you
On this harvest moon.

Neil Young

setembro 01, 2006

Dos Sete



sete anões eram amigos de Branca de Neve.
sete são os pecados capitais.
sete ondas pula-se no mar, pra que Iemanjá nos dê um ano bom.
sete são as notas musicais.
sete profetas na Bíblia.
sete demônios contra minha sanidade.
sete buracos tem a minha cabeça pra você entrar.
sete anjos pra me proteger.
sete desejos de você eu tenho.
sete carícias faço na distância que nos envolve.
sete são as maravilhas do mundo.
sete dias tem a semana que nunca termina.
sete anos de azar pra quem quebrar o espelho.
sete vidas tem o gato.
sete meses pra nascer um prematuro.
sete vezes eu digo o quanto quero você.
e sete vezes dessas, você faz de conta que não ouve.
sete canções de amor eu canto.
sete versos propago.
sete poemas completos.
sete vezes você me nega.
Pedro às avessas...
sete são as cabeças da Medusa.
sete sonhos pra acertar uma realidade.
sete filhos tem o sétimo filho pra fazer um vampiro.
sete dos trabalhos de Hércules foram fáceis de cumprir.
sete planetas eram no princípio.
sete estrelas pra dar sorte se contadas na madrugada.
sete sóis tem a galáxia desconhecida.
sete fadas se jogam do abismo.
sete tritões se entristecem.
sete harpias amolecem nos sete lagos da vida.
sete adagas em fogo.
sete palhaços no circo mambembe.
sete mistérios no terço cristão.
sete balas na cabeça pra morrer.
sete samurais no filme de Kurosawa.
sete mulheres na casa.
sete noivas para sete irmãos.
sete dragões na minha perna.
disque 7 pra dizer que ainda me quer.
sete imaginários seres para me assombrar à noite.
sete desejos na fonte.
sete moedas pra você me trair.
sete anos pra esquecer qualquer coisa.
sete amores na sua vida.
sete enganos na minha.
sete doses de gim pra me embriagar.
sete horas pra dormir.
sete setes pra mostrar ao mundo que amo você.
e sete vezes sete anos-luz, em números,
se você quer saber,
vou continuar amando.

albanegromonte

Iris


(para Rodrigo A., o bruxinho mais lindo deste lado de cá do Planeta)


And I'd give up forever to touch you
'Cause I know that you feel me somehow
You are the closest to heaven that I'll ever be
And I don't want to go home right now
And all I can taste is this moment
And all I can breathe is your life
'Cause sooner or later it's over
I just don't want to miss you tonight
And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am
And you can't fight the tears that ain't coming
Or the moment of truth in your lies
When everything feels like the movies
Yeah you bleed just to know you're alive
And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am
And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am
(break and solo)
And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am
I just want you to know who I am
I just want you to know who I am
I just want you to know who I am

Goo Goo Dolls

Revenant


isso em mim que hoje anseia partida chamo de quase querer.
e é quase querendo
que salto do tigre que montava
liberto a ave azul que trazia no parapeito da janela
e deixo ir pro sul o sol morno que guardava no bolso da blusa
- para aquecer o lado esquerdo do peito
onde havia um coração e hoje mora um pequeno esquimó
com seu pinguim de estimação.
atravesso a rua sem olhar o sinal
carro de vidros abertos
portas sem chaves
janelas sem proteção
fios elétricos desencapados.
meu revolver tem oito balas.
seis no tambor e duas na minha mão
meu armário, sessenta e três comprimidos aditivados
minha gaveta, vinte e duas facas
minha bolsa, dois canivetes
mas não uso echarpes,
não tenho forno a gás,
não moro num nono andar em Copacabana,
nenhum rio passa atrás da minha casa
ando às vezes na beira-mar,
catando estrelas
vestindo um pijama
e com um relógio de ouro no pulso esquerdo
pra não me perder no abismo
que a Rainha das Águas cria em noites escuras
tenho medo de cachorros pequenos
mas crio um dragão embaixo da cama.
toda noite antes de dormir dou uma volta na via-láctea
pra ele não entrevar as asas.
meu dragão tem olhos cor de violeta
e me deu um anel de prata que uso no anular do pé esquerdo.
não há flores nos meus jarros.
nem peixes nos meus aquários
e há tantos livros que não li
que chego a ter medo de morrer,
ou ficar cega antes de conhecê-los
um dia sonhei que era uma magnólia
e me deitava na relva com o orvalho a me acariciar
foi numa noite esquisita, em que tive sono e dormi
mas acordei gente
e ainda mais cansada das horas
trago uma cruz de pedras no umbigo
e comprei um Fenix colorido
que vai morar na minha nuca
tem dias que parecem inverdade
de tão tristonhos e escuros
nestes dias eu ergo uma taça de vinho
brindo a todos os enganos que tive
releio um poema de Bandeira
folheio Cortazar
acendo um cigarro e espero a dor passar.
a dor nunca me criou morada.
disso eu sempre soube, mas não dizia.
aranhas não cabem neste coração marcado,
mas guerreiro.

albanegromonte, janeiro, 8, sagrado ano de 2oo6

*revenant: termo francês, sem correlato em português, que significa "aquele que está de volta", "aquele que volta da morte"
ph Thiago Martins
mesmo que tivesse asas, hoje preferiria andar no chão. hoje tem um quê de tristeza eternizada em minha alma...

albanegromonte

Partida De Mim

ph Moacir Caetano
quando não se diz adeus, fica o gosto do mal dito, maldito sentimento de coisa inacabada

A cópia da chave dentro de uma gaveta me lembrou quanto de ti ainda havia na casa.
Acendi as luzes, e parti para a longa viagem dentro da nossa história
contada em objetos esquecidos, largados, abandonados...
- que nem eu quando te foste de mim.
Dei um nó na boca do coração,
e o pó destes meses levantou água no lago dos meus olhos.
Roupas que nem te cabem mais, como eu na tua vida.
Bilhetes de geladeira, pueris e inúteis,
joguei num saco preto de lixo junto com os frascos inacabados de perfume
que nem o adeus que não dissemos.
Miniaturas de carros e aviões, empacotei com o cuidado
que não tiveste ao pisar na minha alma.
Caixinha de ferramentas fiquei pra mim
que o homem da casa agora sou eu.
Difícil mesmo foi dividir os cds,
quase tanto quanto te dividir com outra mulher.
Livros, todos meus - eu te contei todos.
Guarda na memória ou aprende a ler.
Fotografias sempre são um problema.
Não há fogo ou tesoura que destrua uma lembrança
Coloquei uma a uma face a face,
assim o tempo se encarregará de
colar, descolorir, dificultar a revisão do passado.
Teu despertador,
um relógio sem ponteiros,
uma notícia recortada de jornal,
o manual do carro,
a bandeira do seu time,
a coleção de revistas, a escova de dentes...
Nas caixas empilhadas no canto da sala,
desencantada já com tua ausência presente,
com meu sorriso de plástico,
com o silêncio palpável dos meses que correm
dentro das noites apressadas e
das cinzas tombadas
nos vãos das lembranças todas
Fita isolante, caneta especial nomeando cada pedaço de memória.
Espinho cravado na garganta.
Grito de saudade preso no orgulho.
Elevador subiu sozinho.
Desceu com tudo e comigo,
peito arrebentando de dor.
Mala do meu carro aberta que nem a boca de uma vidente
a dizer que tudo ia mesmo terminar um dia
Cada caixa que entrava martelava minha lembrança mais recente
- o último beijo,
o primeiro abraço,
os dias felizes,
as turbulências,
as partidas e chegadas,
o teu cheiro, tua voz, teu sorriso,
teu jeito de andar, tua indiferença,
tuas manias, teu olhar depois do amor,
a filha que não fizemos,
meu nome na tua boca,
o chamado, o quase retorno,
uma boneca de pano,
o sopro do dragão no meu ouvido
mandando parar com isso.
Porta de outra casa.
Tudo posto no chão
"faz favor entregar a..."
E só me restou dançar um tango argentino
na areia da praia,
enquanto os aviões decolavam sobre a minha cabeça
me falando de partidas necessárias
O sol de leve se ia
e a maré alta formava ondas
que logo mais se banhariam de luar
Vento jogou areia nos meus olhos
- foi a desculpa para chorar
o tanto que não consegui
no dia em que nosso amor desapareceu.
E tu sabes, desaparecido não é morto
sempre há esperança de um resgate
-mas hoje reconheci o fato,
o corpo frio e inerte deitado no meu peito,
era mesmo aquele amor de antes
Sepultei-o com honras de rei
que foi por dias incontáveis
E me vesti de preto
escureci o coração e o olhar.
Agora espero o luto se esvair pelos dias
que faltam no calendário do Destino
para que eu possa enfim
saber que te esqueci.

albanegromonte

À Puta Que Levou meus Poemas


dizem que devemos evitar remorsos pessoais num poema,
ser abstratos,
e há razões para isso,
mas deus do céu,
doze poemas perdidos e não tenho cópias!
você também levou meus quadros, os melhores!
é demais: está querendo acabar comigo como todo mundo?
por que não levou meu dinheiro?
é o que costumam fazer com os bêbados caídos nas calçadas
da próxima vez leve meu braço esquerdo
ou uma nota de 50
mas não os meus poemas:
não sou Shakespeare mas pode ser que um dia não existam mais,
abstratos ou não,
sempre haverá grana e putas e bebuns
até que caia a última bomba,
mas como disse Deus,
cruzando as pernas,
acho que criei poetas demais
e muito pouca poesia.

Charles Bukowski

Ah, Esses Amores...


o amor é o palhaço assombrando o circo em ruínas, com a lona esburacada.
é a bailarina manca que procura sapatilhas azuis em lojas de subúrbio.
o amor é o mendigo que não se vê quando estende a mão vazia no espaço criado entre nós e ele. é o pierrot que chora a Colombina que se foi nos braços do Arlequim.
o amor é o barco lento no meio da tempestade,
é a pérola perdida pela ostra criança.
o amor é a ferida aberta que nunca cicatriza,
é o punhal no coração que desavisado se abre no peito.
o amor é a sonata o soneto.
o amor é o vão aberto na porta da alma,
por onde entram os sonhos mais estranhos.
o amor é a noite azul,
o dia alaranjado.
o amor é o que não se entende,
o complicador da vida.
o amor nunca se acaba,
sempre deixa alguém sozinho.
o amor é a tela em branco a ser escrita com o Tempo.
o amor é a lágrima do adeus,
é a gargalhada do ser feliz.
o amor...

albanegromonte

Memórias De Uma Forca


(fragmento)

Sou duma antiga família de carvalhos, raça austera e forte - que já na Antiguidade deixava cair, dos seus ramos, pensamentos para Platão. Era uma família hospitaleira e histórica: dela tinham saído navios para a derrota tenebrosa das Índias, contos de lanças para os alucinados das Cruzadas, e vigas para os tetos simples e perfumados que abrigaram Savanarola, Espinosa e Lutero. Meu pai, esquecido das altas tradições sonoras e da sua heráldica vegetal, teve uma vida inerte, material e profana. Não respeitava as nobres morais antigas, nem a ideal tradição religiosa, nem os deveres da história. Era uma árvore materialista. Tinha sido pervertida pelos enciclopedistas da vegetação. Não tinha fé, nem alma, nem Deus! Tinha a religião do Sol, da seiva e da água. Era o grande libertino da floresta pensativa. No verão, enquanto sentia a fermentação violenta das seivas, cantava movendo-se ao sol, acolhia os grandes concertos de pássaros boêmios, cuspia a chuva sobre o povo curvado e humilde das ervas e das plantas e, de noite, enlaçado pelas heras lascivas, ressonava sob o silêncio sideral. Quando vinha o inverno, com a passividade animal dum mendigo, erguia, para a impassível ironia do azul, os seus braços magros e suplicantes! Por isso nós, os seus filhos, não fomos felizes na vida vegetal. Um dos meus irmãos foi levado para ser tablado de palhaços; ramo contemplativo e romântico, ia, todas as noites, ser pisado pela chufa, pelo escárnio, pela farsa e pela fome! O outro ramo, cheio de vida, de sol, de poeira, áspero solitário da vida, lutador dos ventos e das neves, forte e trabalhador, foi arrancado dentre nós para ir ser tábua de esquife! - Eu, o mais lastimável, vim a ser forca!

Eça de Queiroz, em "Prosas Bárbaras".

Tears In My Soul II


não me pergunte nada que não possa ser respondido com o silêncio.
o mesmo silêncio deixado por você ao partir de mim.
e não me mande mais recados, dizendo que me viu pela janela.
não era eu quem estava lá,
mas apenas a mesma sombra que o acompanha
ainda que você não saiba,
(ou não queira saber)
não pergunte aos conhecidos como estou.
deixe que minha vida siga sem sua presença adicional
esqueça que um dia foi meu bem-querer.
por favor, me deixe só nesta janela
sombra que sou apenas em sua vida
e no espelho aqui bem à minha frente.

albanegromonte

Stacatto

mais uma noite vã.
estrelas tantas que nem conto se jogam cadentes no céu da minha janela.
quase posso te ver através da lembrança do pouco
ou nada que resta de ti na minha memória.
quadro a quadro vou decifrando o teu enigma
na minha vida abandonada ao senhores do Tempo e do Esquecimento
percebendo a cada linha desescrita
que me afastas do teu coração ateu
e o meu, que quase acreditou,
vai ficando murcho e frio
que nem violeta exposta ao impossível.
sinto pelo que nunca pude te dizer
quando me calavas com escorregos e desvios
que confundiam minha narrativa
deste querer que já nasceu morto
e enquanto mais uma noite vã se distrai
e ri da minha lendária insônia
visto o perfume que deixei no teu travesseiro
e atravesso o Mar bem na minha frente
me atirando no Infinito da minha paz
que será um dia
quando conseguir te esquecer

albanegromonte

Á Cidade de Concreto&Poesia


(por ocasião do aniversário da cidade)


São Paulo.
Antes, cidade desvairada na palavra de Mário de Andrade.
Hoje, desvario, na palavra dos paulistanos todos, que vivem nos 452 universos de que se faz essa cidade.
São Paulo desmente a quem a olha com olhos de paixão, a frieza da sua garoa, a impureza do seu céu. A quem abre o coração para sua genialidade e beleza embutidas no cimento sólido das suas paredes, São Paulo se faz Poesia. Então se vê, entre as centenas de gigantes concretais da Paulista que uns, os cults, comparam à Quinta Avenida, só que sem legenda; e outros; os blasés, juram ver a Champs Eliseés, sem o Arco do Triunfo. Eu fico com Paulista pura como ela se fez a meus olhos curiosos. Seus faróis abrindo, um milhão de gente sumindo pelos metrôs, ônibus, lojas, museus, bancos... luzes piscando, vida pulsando, buzinas, gritos, pedidos, esbarrões, executivos de tênis e mochila nas costas... e de repente um parque! Como alguém pode imaginar um parque morando numa avenida que cheira a dinheiro. Capitalismo selvagem cedendo espaço ao sonho do antigo morador da São Paulo ainda não paranóica.
Olhos postos no céu por onde tantos aviões cruzam sonhos e esperanças, vejo o improvável, o que me disseram que nunca veria ali. Uma estrela. Uma pequena e solitária estrela desafiando o cinza chumbo das nuvens em posição de ataque. Estrela plena de sabedoria, revelando a face mais doce da cidade, preparando o caminho para a Lua que depois eu soube através de uma foto, postou-se ampla e resoluta na janela de um poeta que também sabe desenhar com teleobjetivas.
São Paulo tem cheiro de noite. Tem ruas que no centro que tomam banho e se perfumam pros valentes andantes da madrugada. São Paulo tem uma casa no último andar de um prédio de apartamentos.
São Paulo tem flores. Tem frades cantores. Tem galeria de arte nos túneis. Tem festa de aniversário em cima de uma passarela.
São Paulo tem todo o universo dentro de si.
Nasce um paulistano em cada canto do mundo, pois um dia, sempre alguém de algum lugar, vai para lá. Assim é que se fez sua multiplicidade, sua plástica, seus sotaques, sua cara de cidade sem rosto por tantas faces que tem. Pois se não bastasse a própria mistura no caldeirão dos povos, os primeiros brasileiros que ali fincaram seus sonhos, vieram ainda todas as raças pra confundir os corações e transformar esse mesmo caldeirão no maior número de misturas em progressão geométrica, que nem o mais embrutecido matemático, consegue deixar de se emocionar ao fazer as contas de com quantas cores se pinta a aquarela do sorriso paulistano... inúmeras, incontáveis cores, lendas, histórias, passado, religiões, cultura... num caldeirão que ferve na temperatura da Bolsa de Valores e das bolsas das meninas que saem nas noites de sexta-feira, que é o dia em que o paulistano vira ele mesmo.
Se bem que todo dia é de jazz, reggae, blues, ópera, teatro, cinema, circo, sarau, exposição, mpb, new age... em São Paulo, todo dia é dia de segunda-feira. A semana está sempre começando. A semana não pára.
O tempo não pára.
Até muda. Mas não pára. E isto de mudar, é outra característica feminina nesta cidade... a inconstância. Guarda-chuva. Não saia de casa sem ele. Vi o dia mais quente se transformar numa chuva torrencial e fria em menos de dez minutos, numa praça com jeito de cidade do interior... igreja do lado, feirinha, pastel, sucos, vendedores ambulantes, realejo... e o frio pegou desprevenida até a cantora de rock ( paulistana legítima) que se vestiu de camisola na tarde que se insinuava tão caliente.
Esta cidade é um mistério e não se desvenda assim de uma só vez.
O segundo olhar que lhe voltamos, se pegou-se o encanto, já vem cheio de paixão. Então ela nos sorri e aperta nosso coração ao dizer da escolha que terá que ser feita um dia. Como uma mulher voluntariosa e ciumenta, São Paulo não nos permite a excelência da dúvida.
Ame-a ou deixe-a.
É isso que ela nos diz se o atrevimento for a volta a seu chão de aço e de flores guerreiras que nascem nas ranhuras do asfalto. No segundo olhar, ela se mostra mais um tanto. Percorre-se a sua grandeza histórica em ruas, estátuas, pessoas, pinturas, lembranças... Percebe-se a sensibilidade por trás da dureza de quem tem a obsessão de andar sempre à frente de todos. De ser melhor, maior, poderosa e influente. Mais importante que a própria capital do País. E esvaindo-se por suas ruas antigas, com marcas do passado recente das revoluções que banharam de violência seu povo, a atualização da violência auto imposta pela brutalidade da nova civilização que traz o tráfico de gente, de drogas, de armas, de corpos vazios, almas envenenadas, de influência... os frutos podres da corrupção, do desalento, daqueles que não se importam mesmo com o lugar onde vivem se lhes permitem lugar qualquer pra deitar. Seja numa folha de jornal no banco da praça, na cama do hospício, ou no dossel de um milionário.
São Paulo tem suas nuances de desiguais situações.
Às vezes rural, urbana, rica, pobre, suja, perfumada, com cercas eletrificadas, crianças brincando de bicicleta na rua, quente, fria, calmaria de feriado, engarrafamentos homéricos. Isso é que faz sua magia e sedução. Ela nunca é a mesma a cada olhar, a cada dia, a cada semana. Nunca diz o que será hoje.
Nem amanhã.
Ela só chama, estende a mão até você chegar perto e depois solta pra que encontre seu caminho.
E sempre há um caminho diferente pra se seguir em São Paulo. Se você volta uma vez, não sossega mais até ficar pra sempre.
Parabéns, São Paulo.

albanegromonte, da terra do sol eterno, para sempre apaixonada pela terra da garoa.

Da Série Beija-Flor (3)


... já que você não aparece,
visto uma roupa de sol e saio pela noite absurda,
confusa e obtusa noite que se abre que nem meu coração pro seu dizer
- e eu quase acreditei, que fosse para mim
as palavras ajuntadas em versos
em um querer submerso em dúvidas de coração
que não sabe bem como é amar
fronteira do destino configura o mapa
e vejo como é distante a tua janela do meu olhar empenado
por tanto perder luzes&cores.
remendo o buraco no peito e costuro em linha de tricô
um infinito azul pra separar você de mim
e você não aparece nem pergunta como estou
e se eu estivesse agora mesmo num esquife à beira do rio
que cruza minha cidade esperando a chuva piedosa
que me levasse pro olhar de Caronte
- e eu sem moeda alguma vagaria pelo inferno
buscando Beatriz que nunca quis me fazer feliz
que nem você que num minuto abre por inteiro a guarda
e me deixa penetrar alma adentro
e depois, logo depois
me fecha portas&janelas
me jogando no canto escuro da mente
- de onde nunca devia ter saído
de que adianta conhecer a Luz
saber o sabor do prazer
do sorrir
do querer mais uma vez ainda
e sempre
se é pra arrancar fibra a fibra cada naco de um peito
que tanto dói chegando a incomodar.
mas insisto em procurar por seu olhar
numa estrela vazia
no luar que um dia pousou de você pra mim
ou num verso tenso que mal julguei
já pensei
-tola que sou,
ser para mim
e já que você não aparece
visto a túnica amarela
da agonia
do desamor
da tristeza que acompanha quem só
quer mesmo nesta vida mesquinha e dura
ser um pouco feliz
e me vou noite afora,
com você sempre&sempre por dentro

albanegromonte

Poemas Malditos, Gozosos e Devotos


É neste mundo que te quero sentir
É o único que sei.
O que me resta.
Dizer que vou te conhecer a fundo
Sem as bênçãos da carne, no depois,
Me parece a mim magra promessa.
Sentires da alma? Sim. Podem ser prodigiosos.
Mas tu sabes da delícia da carne.
Dos encaixes que inventaste.
De toques.
Do formoso das hastes.
Das corolas.
Vês como fico pequena e tão pouco inventiva?
Haste. Corola.
São palavras róseas.
Mas sangram.
Se feitas de carne.
Dirás que o humano desejo
Não te percebe as fomes.
Sim, meu Senhor,
Te percebo.
Mas deixa-me amar a ti, neste texto
Com os enlevos
De uma mulher que só sabe o homem.

Hilda Hilst