setembro 01, 2006

Á Cidade de Concreto&Poesia


(por ocasião do aniversário da cidade)


São Paulo.
Antes, cidade desvairada na palavra de Mário de Andrade.
Hoje, desvario, na palavra dos paulistanos todos, que vivem nos 452 universos de que se faz essa cidade.
São Paulo desmente a quem a olha com olhos de paixão, a frieza da sua garoa, a impureza do seu céu. A quem abre o coração para sua genialidade e beleza embutidas no cimento sólido das suas paredes, São Paulo se faz Poesia. Então se vê, entre as centenas de gigantes concretais da Paulista que uns, os cults, comparam à Quinta Avenida, só que sem legenda; e outros; os blasés, juram ver a Champs Eliseés, sem o Arco do Triunfo. Eu fico com Paulista pura como ela se fez a meus olhos curiosos. Seus faróis abrindo, um milhão de gente sumindo pelos metrôs, ônibus, lojas, museus, bancos... luzes piscando, vida pulsando, buzinas, gritos, pedidos, esbarrões, executivos de tênis e mochila nas costas... e de repente um parque! Como alguém pode imaginar um parque morando numa avenida que cheira a dinheiro. Capitalismo selvagem cedendo espaço ao sonho do antigo morador da São Paulo ainda não paranóica.
Olhos postos no céu por onde tantos aviões cruzam sonhos e esperanças, vejo o improvável, o que me disseram que nunca veria ali. Uma estrela. Uma pequena e solitária estrela desafiando o cinza chumbo das nuvens em posição de ataque. Estrela plena de sabedoria, revelando a face mais doce da cidade, preparando o caminho para a Lua que depois eu soube através de uma foto, postou-se ampla e resoluta na janela de um poeta que também sabe desenhar com teleobjetivas.
São Paulo tem cheiro de noite. Tem ruas que no centro que tomam banho e se perfumam pros valentes andantes da madrugada. São Paulo tem uma casa no último andar de um prédio de apartamentos.
São Paulo tem flores. Tem frades cantores. Tem galeria de arte nos túneis. Tem festa de aniversário em cima de uma passarela.
São Paulo tem todo o universo dentro de si.
Nasce um paulistano em cada canto do mundo, pois um dia, sempre alguém de algum lugar, vai para lá. Assim é que se fez sua multiplicidade, sua plástica, seus sotaques, sua cara de cidade sem rosto por tantas faces que tem. Pois se não bastasse a própria mistura no caldeirão dos povos, os primeiros brasileiros que ali fincaram seus sonhos, vieram ainda todas as raças pra confundir os corações e transformar esse mesmo caldeirão no maior número de misturas em progressão geométrica, que nem o mais embrutecido matemático, consegue deixar de se emocionar ao fazer as contas de com quantas cores se pinta a aquarela do sorriso paulistano... inúmeras, incontáveis cores, lendas, histórias, passado, religiões, cultura... num caldeirão que ferve na temperatura da Bolsa de Valores e das bolsas das meninas que saem nas noites de sexta-feira, que é o dia em que o paulistano vira ele mesmo.
Se bem que todo dia é de jazz, reggae, blues, ópera, teatro, cinema, circo, sarau, exposição, mpb, new age... em São Paulo, todo dia é dia de segunda-feira. A semana está sempre começando. A semana não pára.
O tempo não pára.
Até muda. Mas não pára. E isto de mudar, é outra característica feminina nesta cidade... a inconstância. Guarda-chuva. Não saia de casa sem ele. Vi o dia mais quente se transformar numa chuva torrencial e fria em menos de dez minutos, numa praça com jeito de cidade do interior... igreja do lado, feirinha, pastel, sucos, vendedores ambulantes, realejo... e o frio pegou desprevenida até a cantora de rock ( paulistana legítima) que se vestiu de camisola na tarde que se insinuava tão caliente.
Esta cidade é um mistério e não se desvenda assim de uma só vez.
O segundo olhar que lhe voltamos, se pegou-se o encanto, já vem cheio de paixão. Então ela nos sorri e aperta nosso coração ao dizer da escolha que terá que ser feita um dia. Como uma mulher voluntariosa e ciumenta, São Paulo não nos permite a excelência da dúvida.
Ame-a ou deixe-a.
É isso que ela nos diz se o atrevimento for a volta a seu chão de aço e de flores guerreiras que nascem nas ranhuras do asfalto. No segundo olhar, ela se mostra mais um tanto. Percorre-se a sua grandeza histórica em ruas, estátuas, pessoas, pinturas, lembranças... Percebe-se a sensibilidade por trás da dureza de quem tem a obsessão de andar sempre à frente de todos. De ser melhor, maior, poderosa e influente. Mais importante que a própria capital do País. E esvaindo-se por suas ruas antigas, com marcas do passado recente das revoluções que banharam de violência seu povo, a atualização da violência auto imposta pela brutalidade da nova civilização que traz o tráfico de gente, de drogas, de armas, de corpos vazios, almas envenenadas, de influência... os frutos podres da corrupção, do desalento, daqueles que não se importam mesmo com o lugar onde vivem se lhes permitem lugar qualquer pra deitar. Seja numa folha de jornal no banco da praça, na cama do hospício, ou no dossel de um milionário.
São Paulo tem suas nuances de desiguais situações.
Às vezes rural, urbana, rica, pobre, suja, perfumada, com cercas eletrificadas, crianças brincando de bicicleta na rua, quente, fria, calmaria de feriado, engarrafamentos homéricos. Isso é que faz sua magia e sedução. Ela nunca é a mesma a cada olhar, a cada dia, a cada semana. Nunca diz o que será hoje.
Nem amanhã.
Ela só chama, estende a mão até você chegar perto e depois solta pra que encontre seu caminho.
E sempre há um caminho diferente pra se seguir em São Paulo. Se você volta uma vez, não sossega mais até ficar pra sempre.
Parabéns, São Paulo.

albanegromonte, da terra do sol eterno, para sempre apaixonada pela terra da garoa.

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