fevereiro 27, 2008

Raridade

... pois para mim
este teu amor é ainda mais raro que um reflexo da Aurora Boreal pousada
na lente do meu óculos...

albanegromonte

fevereiro 06, 2008

A Origem

... do Grande Circo Mistico que Chico musicou e teatralizou.
































O Grande Circo Místico




















O médico de câmara da imperatriz Teresa - Frederico Knieps - resolveu que seu filho também fosse médico, mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes, com ela se casou, fundando a dinastia de circo Knieps de que tanto se tem ocupado a imprensa. Charlote, filha de Frederico, se casou com o clown, de que nasceram Marie e Oto. E Oto se casou com Lily Braun a grande deslocadora que tinha no ventre um santo tatuado. A filha de Lily Braun - a tatuada no ventre quis entrar para um convento, mas Oto Frederico Knieps não atendeu, e Margarete continuou a dinastia do circo de que tanto se tem ocupado a imprensa. Então, Margarete tatuou o corpo sofrendo muito por amor de Deus, pois gravou em sua pele rósea a Via-Sacra do Senhor dos Passos. E nenhum tigre a ofendeu jamais; e o leão Nero que já havia comido dois ventríloquos, quando ela entrava nua pela jaula adentro, chorava como um recém-nascido. Seu esposo - o trapezista Ludwig - nunca mais a pôde amar, pois as gravuras sagradas afastavam a pele dela o desejo dele. Então, o boxeur Rudolf que era ateu e era homem fera derrubou Margarete e a violou. Quando acabou, o ateu se converteu, morreu. Margarete pariu duas meninas que são o prodígio do Grande Circo Knieps. Mas o maior milagre são as suas virgindades em que os banqueiros e os homens de monóculo têm esbarrado; são as suas levitações que a platéia pensa ser truque; é a sua pureza em que ninguém acredita; são as suas mágicas que os simples dizem que há o diabo; mas as crianças crêem nelas, são seus fiéis, seus amigos, seus devotos. Marie e Helene se apresentam nuas, dançam no arame e deslocam de tal forma os membros que parece que os membros não são delas. A platéia bisa coxas, bisa seios, bisa sovacos. Marie e Helene se repartem todas, se distribuem pelos homens cínicos, mas ninguém vê as almas que elas conservam puras. E quando atiram os membros para a visão dos homens, atiram as almas para a visão de Deus. Com a verdadeira história do grande circo Knieps muito pouco se tem ocupado a imprensa.






















Jorge de Lima, 1938.

Feitio

o amor é o palhaço assombrando o circo em ruínas, com a lona esburacada.


é a bailarina manca que procura sapatilhas azuis em lojas de subúrbio.


o amor é o mendigo que não se vê quando estende a mão vazia no espaço criado entre nós e ele.



é o pierrot que chora a Colombina que se foi nos braços do Arlequim


o amor é o barco lento no meio da tempestade é a pérola perdida pela ostra criança



o amor é a ferida aberta que nunca cicatriza


é o punhal no coração que desavisado se abre no peito.



o amor é a sonata o soneto



o amor é o vão aberto na porta da alma por onde entram os sonhos mais estranhos




o amor é a noite azul o dia alaranjado



o amor é o que não se entende


o complicador da vida



o amor nunca se acaba sempre deixa alguém sozinho




o amor é a tela em branco a ser escrita com o Tempo




o amor é a lágrima do adeus




é a gargalhada do ser feliz




albanegromonte

Zaratempô!

"Oi querida saudade agora humm chega com brandura de ânimos; desalento que parecia infinito ufa levou descaminho; zaratempô! deus-tempo súbito friccionou peito este atafulhado de angústia com âmbar-resignação; agorinha ouvindo Billie Holiday pensei nela sua risada elíptica achavascada puh própria àqueles que perseguem ad infinitum a ironia em todos os seus escaninhos; sim sei querida melhor nunca olhar pra trás a-hã entendi: mulher de Lot; diacho não sei quem disse mas concordo oigalê! o passado é um segundo coração que bate em nós; bufe-tibufe-pufe eh-eh mano malacafento aqui carece realmente delas batidas duplas; além disso ixe é prejudicial reprimir certas lembranças."





Trecho de Zaratempô!, Evandro Affonso Ferreira, Ed. 34

A Morte do Caboclo



com as cores do sertão, onde me criei até os 13 anos...







Miséria. Miséria de vida doendo na boca da noite que tem fome de dentes. Boca sem dentes, língua que dança no céu sem nuvens do sertão. Ser tão cruel. Cruel sol que queima a carne, a planta, que torra o torrão de terra que teima em ser por cima quando deve ser pisada, molhada, vertida em vida. Vida bandida, armada com faca, facão e peixeira, que cabra da peste não anda sem elas. Vem vida, se quer me tomar, que faça direito. Não me desatine, que fico doido, doente e chego primeiro pra te pegar. É quase certo que o incerto tome conta do que nunca foi meu, que me leve de volta pro canto que eu vim, que nem sei como é, mas que morro de rir imaginando... que seja quente, como é este chão, que seja frio como a noite do deserto, como a noite nestas paragens, que tenha mulher nua e colo de mãe, que seja gostosa que nem carne de tatu. Macia de lamber, que nem a fruta que nunca vi, só ouvi falar. Que tenha tudo que eu quis neste mundo e o que mais eu sonhei. Que tire esta sede, esta fome esta falta de tudo que agora me atormenta. Se possível, que tenha perdão pros meus pecados mais esquecidos e alívio para a maior dor que foi ver meu filho, fugindo das mãos do doutor, atrás da bomba que um cantador disse que mora na barriga da miséria da gente, e que fica de tocaia pra carregar os inocentes. Que frio é esse que me toma a testa, o peito e abraça o meu coração? Que filete de água tão doce escorre da minha boca que não quer se abrir? Meus olhos vêem o sol, a vaca magra, o açude seco e os olhos de Maria. Porque, Maria, teus olhos são tão verdinhos? De onde vem esse choro, esse grito que sai da tua língua sem sal? Maria? Que luz é essa que vem vindo? Maria, você viu o cabra que tentou me roubar o cordão de São Francisco? Maria? Maria, tu morreu? Maria, eu morri. Olha Deus me dando a mão... Maria, Deus é caboclo que nem eu. Tá de algibeira e chapéu de couro. Maria, Deus existe mesmo. Maria, eu vou, que não sou homem de fugir das obrigações. Maria, não chora. Acabou, Maria... Acabou.





albanegromonte

O Nascimento do Prazer

Clarice Lispector é para mim, um ídolo, uma deusa carne&osso, que sofreu como poucos as agruras da vida e do amor. Clarice é flor no peito, escancarada alma que se abre em prosa&poesia para nossos olhos espantados com tamanha beleza. Espelho onde me olho, tentando ver algo além das pobres palavras que me seguem o ritmo manco&tonto. Clarice, para sempre nos meus olhos de fã.















(trecho)










"O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida - e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom - como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos - pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele é nós".












Clarice Lispector

fevereiro 05, 2008

Evohé, Pessoa!

O amor é uma companhia.

Já não sei andar só pelos caminhos,

Porque já não posso andar só.


Um pensamento visível faz-me andar mais depressa


E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.


Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.


E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.


Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.


Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.


Todo eu sou qualquer força que me abandona.


Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.





Alberto Caeiro

de 2005

Photo by Eduardo Barrox
(eu sonhava ser Beatnik...)



CINEMA2



é de manhã na américa o cio... abro a janela e fecho a porta, pois sem tua voz por aqui, ainda que sonhada, nada tem direção e nem mesmo as cortinas se descortinam, apenas se entregam às traças e se arruínam no pó da velha fita de filme noir que alguma beat person, imaginou fazer e saiu colando cenas de Tarantino, Kubrick e Jerry Lewis... ah, mas eu queria mesmo era te alcançar através dessa estrela que teima em brilhar no céu do meu ainda límpido olhar que o selvagem mundo não corrompeu. mas meu coração está corrompido, bêbado e viciado nesta coisa de ouvir música ao longe e acreditar que Morrison e Rimbaud são o mesmo poeta e que ninguém morreu naquele edifício tombado num longínquo setembro negro de tanto horror, que se repete porque o bicho homem quer, numa estação de metrô na fria London da música que o Caetano escreveu quando estava no exílio. mas eu dizia que a mulher-menina fumava compulsivamente, enquanto a taça de vinho tinto desmaiava sobre o altar de mármore, lentamente, como se fosse o sangue do Cristo que não sofria, mas sorria braços abertos e coloridos para um mundo que seria diferente pois Adão e Eva teriam decidido ser amigos e a serpente, transformada na prostituta atávica, se trocava na janela em frente, enquanto o poeta lusitano se quedava diante do cinema 2 que um paulista doido varrido embaixo do tapete do hospício escreveu enquanto ia de bicicleta pro dentista no outro lado da cidade. e que cidade grande é São Paulo. Iorque tupiniquim com seus artistas práticos e plásticos, cidade de pedra e almacoração, onde se sonha que um dia, será criado o raio que purificará o céu, e enfim estes artistas que zanzam pelas praças com seus jornais possam ver as estrelas e o luar que eu vi quando voltei um dia pro sertão onde ser tão bobo é bom. e o andarilho descalço na minha caneca toma comigo as palavras de um livro maldito chamado o coração das trevas que leio enquanto espero o telefone tocar, e escondo a capa pra ninguém saber que eu sei que todo o universo cabe numa casca de noz, e quem disse isso foi o Joseph Conrad. aí, eu ouço no rádio que um pedreiro bêbado foi encontrado morto dentro do concreto desarmado numa rua antiga da minha cidade... penso que se eu fosse o Chico eu fazia agora mesmo uma superprodução chamada Construção e filmava todo em P&B, deixando só o sangue do operário em vermelho bem vivo, da cor do vinho tinto que se espalha pelas minhas veias e como os pequenos raios que borram o ex-branco dos meus olhos que agora, depois que te conheceram, reaprenderam a chorar de esperas insensatas e incautas, tantas vezes avisadas pelos magos de plantão e pelos anjos expulsos do Paraíso por acreditarem em amor e beijonaboca. com língua e tudo. quanto tempo vai levar minha alma pra ser vendida pela tua indiferença ao primeiro personagem de crônica barata que nem se lê de tão comoventemente depressiva. que segredos terei que revelar até que meus nervos se soltem dos músculos e meu corpo atormentado seja liberto deste bemquerersemquerer... mas eu dizia que ia fazer um cinema 3, e me surgiram estas abarrotadas palavras sem fé, que se lançaram tristemente nesta tela tola de um computador que se chama Jorge e se alguém perguntar o porquê eu vou ficar sem saber se pelo Borges ou pelo Santo que nem é mais Santo nem nada, e que pretende matar o dragão que cavalgo em pêlo, pelas pradarias de Tupã e Odin. Vade retro! Tela vazia, pois o cinema 2 acaba nele mesmo, naquela cena em que a mulher dorme ao lado dele na cabine elétrica do carro em alta velocidade, com o vento a carregar as notas do sax de Bird, e ele balbucia um verso de Ferlinghetti pra não esquecer que também é poeta. Corta! Ele vasculha a bolsa dela, à procura de um cigarro pra voltar a fumar, sorri meio cínico e pensa que também foi corrompido no fim de tudo.



Letreiro descendo.


Angelina Jolie, Edward Norton, Sean Penn e James Bond.


Música incidental da cena dela de olhos abertos beijando uma mulher.


Antonio Banderas, Keanu Matrix Reeves, Anjelica Houston e A Pantera Cor-de-Rosa


De repente, um fado, e a puta portuguesa sorri pro Poeta e lhe lança um beijo através da vidraça.



Aí já começa outro filme.



albanegromonte

Não me canso deste texto...





Eu isolo os cabelos; ela ajeita mechas negras e as sobrancelhas egípcias; eu sou verde, ela azul; eu tenho o nariz de um dobrão espanhol, ela alegra as frutas; eu sou um pássaro parado, ela é um pássaro em movimento; eu tenho os olhos renascentistas, ela um olhar impressionista; eu abasteço os caminhos de pernas finas, ela solta os caminhos sem perceber; eu me arrisco na arrebentação; ela espera a visita do mar no meio-fio da espuma; eu sou da meia-noite, ela é do meio-dia; minhas mãos são menores do que as dela, suas mãos alcançam a chuva; ela é minha tradutora quando a questão é o "r", "s", "pl", "bl", "d" e "t", eu acerto o resto; eu deito no lado esquerdo, ela amplia o direito; eu durmo de tevê ligada, ela sonha com o rádio aceso; eu esqueço moedas, passagens de trem e trocos nos bolsos, ela recolhe o resumo da roupa na máquina; eu uso o telefone como orelha postiça, ela é a chamada a cobrar; quando distraído, eu faço poesia atenta, quando atenta, ela faz poesia distraída; eu tenho pés chatos e piso em falso, ela enxerga em duplo e aprecia em dobro; eu prendo a respiração ao comer, ela é a respiração liberta; eu danço fora da música, ela dança com a música de dentro; eu não sei fazer churrasco; ela faz-de-conta que não precisa; eu faço as contas, ela enrola as contas do terço na maçaneta para dar sorte; eu tomo café forte, ela mede a fumaça com a colher; eu chamo seu pai para consertar o chuveiro, ela chama minha mãe para me confundir; eu sou redundância, ela é o eufemismo, eu não uso aspas, ela usa chapéu na praia; eu leio estirado como uma chama, ela lê com as pernas dobradas; eu compro o fútil, ela compra o necessário; eu me perco em lugares abertos, ela se perde em lugares fechados; eu falo sem parar, ela ouve sem dormir; quando eu estou na pior, ela arruma histórias tristes para me deixar otimista; eu prefiro estacionar nas esquinas, ela me centra; eu compro jornal, ela é que lê; eu escapo dos deveres, ela paga guardador de carro; eu me visto sem olhar, ela corrige o que não sei; ela busca um copo d'água de madrugada, eu escuto a água de pé; ela não fica doente, eu adoeço quando estou nervoso; ela pensa em tudo, eu penso o que não sobra; eu extravio nomes, ela extravia rostos; eu não guardo telefones, ela memoriza a lista; eu não canto músicas, ela me legenda o som; eu erro na pronúncia de outro idioma, ela é vento simultâneo; depois do prazer, fico com insônia, depois do prazer, ela quer dormir; eu tenho um porão de lembranças, ela tem um sótão; eu entro nas recordações pelos fundos, ela entra pela frente; eu me alumbro com a mentira, ela se deslumbra com a verdade; eu não me repito, ela imita sotaques; eu faço amigos rápido, ela exige convivência; eu compro as verduras que não prestam, ela cansou de me ensinar; eu não sei contar piadas, ela não gosta de piada; eu imagino, ela desabafa; eu fico calmo na tristeza, ela explode de raiva; eu alimento pressentimentos, ela confia em fatos; ela pede desculpas, eu continuo acusando; eu peço desculpas, ela já esqueceu; eu sinto ciúmes de velhos amores, ela sente ciúmes de novos amores; eu vejo a dor como uma trégua, ela observa a dor como uma lacuna; eu me interesso pelo objeto quando o perco, ela se interessa quando o reencontra; eu sou obcecado, ela é cautelosa; eu sou perfeccionista, ela é comovida; eu improviso, ela planeja; eu fujo do aniversário, ela ensaia o seu com antecedência; eu puxo sua cadeira, ela me seduz de lado; eu sou uma cidade de baixo, ela é a cidade vista de cima; eu piso de leve nas perdas, ela lava as pedras; eu me vingo, ela perdoa; eu sou passional, ela pacifica; eu me hospedo quando ela viaja, ela reside em minhas viagens; eu acredito em Deus, Deus acredita nela; eu rezo ao sair de casa, ela reza ao chegar; eu escalo árvores, ela rega relâmpagos; eu apago a ponta dos dedos, ela deixa a luz acesa no corredor; nenhuma noite é como as outras, as outras noites são dias inventados; nossa risada se bate no escuro



Fabricio Carpinejar

Queixa

Quando de mim te aproximas


e sinto teu cheiro de desejo

fico contente feito garoto com pirulito na boca.


Mas quando de mim te vais, fugindo em dorso de dragão de pêlo,

desatino, perco o rumo

feito barco sobre onda gigante,

rodando para lá e para cá.


Reviro os olhos e as entranhas rasgando os fiapos da alma apaixonada

e necessitada do teu riso e da tua voz.

Serena e doce voz, que me carrega via-láctea a fora,


para passar um dia em Saturno.


E se de mim teu olhar desviado resolver se aproximar de novo,


Juro que te largo um livro de poesia bem no meio da cara.


albanegromonte

Resposta


tua pele
cristal de Lua


que chega pros meus olhos


a cada mês que me afasta de ti


tua língua inesperada


em começo de madrugada


com mãos e cheiro


e me tomar


corpo&alma


olhar ardosia


encantador de serpentes


falando esperanto



em spanish lips



me beija


e aquece


a cada noite


como se ainda


estivesse dentro
de mim


e eu boca aberta e sedenta


sussurro a cada estrela que cai



teu nome segredo sagrado



no meu grito mudo


pelo mundo



que nos
mantém longe






albanegromonte

Frida


“La tragedia es lo más


ridículo que tiene ‘el hombre’pero estoy segura, de que los


animales, aunque ‘sufren’, no exiben su ‘pena’en ‘teatros’ abiertos, ni‘cerrados’
(los ‘hogares’).


Y su dolor es más cierto


que cualquier imagen


que pueda cada hombre‘representar’ o sentir
como dolorosa.”




(do diário de Frida Kahlo)

Lenda

e era então que eu dizia: por ali, não, Pedro.
mas ele, tinhoso que era, dava muxoxo, sorria aquele riso tão cheio de dentes e na boca bonita de se ver, mostrava a língua e me dizia: vou sim, Mãe. nada que tem lá que eu já não saiba de cor e mais. volto no fim do dia, antes que o sol, se deite. me deixa uma tapioca pronta e café.
e se ia, meu Pedro tão formoso, pros fundos da mata atrás de bicho com garras que valia dinheiro naqueles tempos que nem Nosso Senhor descendo do céu (que Deus me perdoe) assentava a cabeça deste meu menino e fazia ele deixar de querer achar um tal de Guará azul.
dizia ele, que este tal de Guará, tinha uma garra que mais parecia ser feita de pérola, pois era branca de doer na vista de quem já tinha visto. só que ele nem sabia quem era que tinha acontecido esta visão, pois se contava essa história desde menino pra ele mesmo, sozinho quando ficava no terreiro brincando com cavalo feito de maxixe que é uma verdurinha da nossa terra, que as criança pegam cru, botam uns palitinho de fósforo no lugar das perna e brincam até não querer mais. mas eu falava era do tal Guará azul, que só meu Pedro conhecia a história. e eu perguntava por que era de nome azul, se as pata eram branca? ele ria de mim, e dizia que era por causa dos olho do bicho. azulzinho da cor do mar que nós nunca tinha visto nessa vida, mas que Pedro me garantia que era sim, pois já sonhava duas vez que era um gavião e sentava os braços num açude grande até a vista não alcançar e era muito mesmo azul por ali, com uns pontos brancos que ele dizia ser as onda.
pois aí, Pedro voltava sempre no fim do dia, antes que o sol se deitasse. mãos vazias, sorrindo sem jeito, mas com a certeza de que amanhã achava o Guará azul, arrancava as garras dele (que matar bicho do mato, meu filho não fazia isso não, pois sabia que bicho era criação de nosso Senhor Jesus Cristo, amém) e vendia pros homem da cidade e nós ficando então rico, pagava as conta que o desinfeliz do pai deixou pra nóis pagar quando foi simbora daqui com a artista do circo que saracoteava junto do palhaço e do mágico. dizem por aí que hoje ele é o palhaço de lá, mas eu nem quero saber, que daquilo lá só teve que preste me dar esse filho tão lindo e tão bom, que eu as veiz até me assombro por ser meu.
e Pedro crescia e ficava homem, sem esquecer do Guará, indo cada vez mais e passando cada vez mais tempo enfurnado na mata.
teve que um dia, meu filho não voltou.
o sol se deitou e se alevantou, mas Pedro não me apareceu.
fui pra dentro da mata que me metia medo, mas queria mesmo era saber do meu filho, encontrar meu menino.
eis que se deu o causo que conto, e que Nossa Senhora me arranque os olho e a língua se for mentira.
de dentro de uma moita, enquanto eu gritava Pedro, meu filho, adonde que tu tá, menino... apareceu um bicho bonito que nunca vi, mistura de onça com gato, orelha comprida, focinho peludo, patas brancas e aqueles tais olhos azul que meu filho falava.
o bicho saltou perto dos meus pés e eu me tremi que nem tivesse caído no meio do rio, de tão frio que fez.
o bicho me arrodeou, cheirou e levantando a cabeça me sorriu um sorriso assim cheio de dentes e com uns olhos azul de doer dentro do coração, e saiu correndo elegante pela mata.
nem poeira ficou de rastro.
aí eu ainda parada que nem um cabo de vassoura, só que tremendo de medo, vi o que nesses anos todos eu negava.
os olho azul do bicho era o mesmo do meu filho.
e quando consegui dar um passo, pisei numa coisa branca que mais parecia uma jóia: uma garra do bicho Guará.
sorri chorando, sabendo que era o presente de despedida que meu menino me deixava, e que seu tempo de gente já tinha passado.
ele se encontrou e se foi.
meu filho Pedro Guará-Azul.



albanegromonte

Adeus


Como se houvesse uma tempestade


Escurecendo os teus cabelos


Ou se preferes, a minha boca nos teus olhos,


Carregada de flor e dos teus dedos;


Como se houvesse uma criança cega


Aos tropeções dentro de ti,


Eu falei em neve, e tu calavas


A voz onde contigo me perdi.


Como se a noite viesse e te levasse,



Eu era só fome o que sentia;



Digo-te adeus, como se não voltasse



Ao país onde o teu corpo principia.


Como se houvesse nuvens sobre nuvens,



E sobre as nuvens mar perfeito,



Ou se preferes, a tua boca clara



Singrando largamente no meu peito.





Eugénio de Andrade