fevereiro 06, 2008

A Morte do Caboclo



com as cores do sertão, onde me criei até os 13 anos...







Miséria. Miséria de vida doendo na boca da noite que tem fome de dentes. Boca sem dentes, língua que dança no céu sem nuvens do sertão. Ser tão cruel. Cruel sol que queima a carne, a planta, que torra o torrão de terra que teima em ser por cima quando deve ser pisada, molhada, vertida em vida. Vida bandida, armada com faca, facão e peixeira, que cabra da peste não anda sem elas. Vem vida, se quer me tomar, que faça direito. Não me desatine, que fico doido, doente e chego primeiro pra te pegar. É quase certo que o incerto tome conta do que nunca foi meu, que me leve de volta pro canto que eu vim, que nem sei como é, mas que morro de rir imaginando... que seja quente, como é este chão, que seja frio como a noite do deserto, como a noite nestas paragens, que tenha mulher nua e colo de mãe, que seja gostosa que nem carne de tatu. Macia de lamber, que nem a fruta que nunca vi, só ouvi falar. Que tenha tudo que eu quis neste mundo e o que mais eu sonhei. Que tire esta sede, esta fome esta falta de tudo que agora me atormenta. Se possível, que tenha perdão pros meus pecados mais esquecidos e alívio para a maior dor que foi ver meu filho, fugindo das mãos do doutor, atrás da bomba que um cantador disse que mora na barriga da miséria da gente, e que fica de tocaia pra carregar os inocentes. Que frio é esse que me toma a testa, o peito e abraça o meu coração? Que filete de água tão doce escorre da minha boca que não quer se abrir? Meus olhos vêem o sol, a vaca magra, o açude seco e os olhos de Maria. Porque, Maria, teus olhos são tão verdinhos? De onde vem esse choro, esse grito que sai da tua língua sem sal? Maria? Que luz é essa que vem vindo? Maria, você viu o cabra que tentou me roubar o cordão de São Francisco? Maria? Maria, tu morreu? Maria, eu morri. Olha Deus me dando a mão... Maria, Deus é caboclo que nem eu. Tá de algibeira e chapéu de couro. Maria, Deus existe mesmo. Maria, eu vou, que não sou homem de fugir das obrigações. Maria, não chora. Acabou, Maria... Acabou.





albanegromonte

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