junho 23, 2016

Ah, e este ar de coisa tua
quando meu olhar se desvia sentindo tua presença, cheiro e textura 
Ah, e esta tua marca no meu corpo, 
a pele arrepiada, os calores, os rios que deságuam em ti
Este eco da tua voz nos labirintos que são martelados nos meus ouvidos, os sussurros, as palavras inexatas que me levam a lugares que nunca sonhei,
Este dizer que não é dito e é entendido
Ah, esta saudade que nunca cessa
nunca finda
e que me traz este ar de coisa tua
quando me vejo no espelho
quando olho para o lado
e é teu sorriso enviesado que vejo
além do tempo, além das milhas que nos afastam, além de tudo
e perto, muito perto deste meu imenso amor.

alba N.

"e quando tudo parece desabar  no mundo paralelo ao seu, eu fecho os olhos e abraço seu sorriso que mora na minha lembrança. então escuto sua voz dizendo doçura, sinto seu beijo faminto, suas mãos nos meus cabelos, o calor do seu corpo atravessando qualquer tristeza que existe, trazendo meu melhor sorriso e me refazendo.
nesse abrir e fechar de olhos, retenho esta memória de tudo e sigo tentando cumprir a dura tarefa de viver longe de você"

lady C.

junho 19, 2016

das vantagens de ser bobo



"O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." 

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia. 

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. 

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu. 

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?" 

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama! 

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz. 

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem. 

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas! 

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo."

Clarice Lispector

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Beckett







1

fosse apenas o desespero da
ocasião da
descarga de palavreado

perguntando se não será melhor abortar que ser estéril

as horas tão pesadas depois de te ires embora
começarão sempre a arrastar-se cedo de mais
as garras agarradas às cegas à cama da fome
trazendo à tona os ossos os velhos amores
órbitas vazias cheias em tempos de olhos como os teus
sempre todas perguntando se será melhor cedo de mais do
que nunca
com a fome negra a manchar-lhes as caras
a dizer outra vez nove dias sem nunca flutuar o amado
nem nove meses
nem nove vidas


2

a dizer outra vez
se não me ensinares eu não aprendo
a dizer outra vez que há uma última vez
mesmo para as últimas vezes
últimas vezes em que se implora
últimas vezes em que se ama
em que se sabe e não se sabe em que se finge
uma última vez mesmo para as últimas vezes em que se diz
se não me amares eu não serei amado
se eu não te amar eu não amarei

palavras rançosas a revolver outra vez no coração
amor amor amor pancada da velha batedeira
pilando o soro inalterável
das palavras

aterrorizado outra vez
de não amar
de amar e não seres tu
de ser amado e não ser por ti
de saber e não saber e fingir
e fingir

eu e todos os outros que te hão-de amar
se te amarem


3

a não ser que te amem


Samuel Beckett

Amalia Bautista

"No fim de contas são poucas as palavras
que nos doem de verdade, e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
E são também muito poucas as pessoas
que nos fazem bater o coração, e menos
ainda com o correr do tempo.
No fim de contas, são pouquíssimas as coisas
que na verdade importam nesta vida:
poder amar alguém e ser amado,
não morrer depois dos nossos filhos"



Amalia Bautista



junho 18, 2016

Mia Couto

"Não aprendi a colher a flor

sem esfacelar as pétalas.

Falta-me o dedo menino

de quem costura desfiladeiros.



Criança, eu sabia

suspender o tempo,

soterrar abismos

e nomear as estrelas.

Cresci,

perdi pontes,

esqueci sortilégios.



Careço da habilidade da onda,

hei-de aprender a carícia da brisa.



Trémula, a haste

me pede

o adiar da noite.



Em véspera da dádiva,

a faca me recorda, no gume do beijo,

a aresta do adeus.



Não, não aprenderei

nunca a decepar flores.



Quem sabe, um dia,

eu, em mim, colha um jardim?"



Mia Couto

necessidade

não há urgência neste sentir desabalado e dilacerante.


n e C e S s i D a d E

hà desatada sangria
avalanche de emoções
acolhimento de sentires atàvicos.
e há pavor.
torto, desalmado, aterrorizante sentimento inesquecivel, que percorre veias, artérias
e há este bater descompassado de coração que pulsa, para, pulsa, para, pulsa e grita: não para!
não para. prossegue.
tenho temor é de não ter mais coração
de não chorar, de não me jogar na frente das rodas do trem
de não conseguir tirar a roupa na frente da tua casa, tocar a campainha mil vezes
até conseguir dizer: vem sou tua.
me veste e desveste
me toma e me larga.
mas pelos deuses todos do Olimpo...
toma-me.
e não nunca me larga.
carrega-me nos braços, pelas mãos, pelos cabelos... mas
me toma
me sabes tua, e serei o que quiseres ou o que puderes receber em teu coração viajante e disperso.
me beija, me adoça me acalma, me remove os temores e apenas
(é só o que peço é preciso)
Promete.
(tu e somente tu consegues)
promete.
cumpre como desde o início
e então
assim saberei.
ainda sou a tua
e tu, o meu.
então vem.
e toda profecia que se sabe há de ser enfim cumprida
então vem
te espero.
vem.
até o último dos dias
até que toda carne se desfaça.
até que o mundo reinicie.
até que não haja mais nada
a não ser, e será
o tudo que se refaz.

Alba N.