junho 18, 2016

Mia Couto

"Não aprendi a colher a flor

sem esfacelar as pétalas.

Falta-me o dedo menino

de quem costura desfiladeiros.



Criança, eu sabia

suspender o tempo,

soterrar abismos

e nomear as estrelas.

Cresci,

perdi pontes,

esqueci sortilégios.



Careço da habilidade da onda,

hei-de aprender a carícia da brisa.



Trémula, a haste

me pede

o adiar da noite.



Em véspera da dádiva,

a faca me recorda, no gume do beijo,

a aresta do adeus.



Não, não aprenderei

nunca a decepar flores.



Quem sabe, um dia,

eu, em mim, colha um jardim?"



Mia Couto

Nenhum comentário: