setembro 15, 2006

Lady Cronopio Num Dia Distante


Pedra de sal nas pernas molhadas de mar, rosa amarela flutuando nos cabelos negros e vestida de nada, ela segue as ondas derramadas na areia. Risca no ar um nome com sua varinha de condão (digo isso, porque ela parece uma fada), lança um desejo e aguarda a Madrinha resolver se entrega de vez a este homem voz, canção e poesia, por quem ela espera há séculos. Na areia, encontra um espelho e se vê com olhos de mulher feita. Já não é mais uma menina, mas traz nos sulcos indefinidos, as marcas de tudo que sentiu neste mundo em que vive há tanto... Cada lágrima, cada sorriso, cada esperança perdida e reencontrada, cada pedaço de vida e nenhum de morte, que desta ela se livrou. Lamenta que o elixir foi-lhe oferecido tão tarde... Lamenta que Ele não tenha tomado também. Sorri um sorriso meio de lado que lhe contorce os lábios vermelhos de desejo. Sabia que o encontraria um dia. Sabia que a vida não se acabaria num fio de navalha covarde, numa noite tão feia, quando Paris era feia, e cheirava a excrementos e sangue humano. Agora que o encontrara, voltava ao mar para exigir a promessa da Madrinha, que por lá e naquele tempo tinha outro nome... Até os deuses mudam. Entra no mar sem medo, mergulha a cabeça nas ondas frias e abre os olhos pra ver... Um cavalo-marinho se aproxima, abre a boca e a beija. Um beijo de água e sal. Um beijo molhado. Um beijo de tudo. Ele se agarra às suas coxas e dissolve saudade em fragmentos de gozo. Ela reconhece o beijo, o abraço, o toque certeiro e sereno de quem sempre soube como ela gosta. Sua cabeça fica tonta, seus braços e pernas se deixam levar pelo peso da sua vontade de se abandonar ali. O seu corpo, a carrega até a superfície. Ela acorda com a brisa da noite tocando seu rosto. Atenta ao silêncio, ouve um assovio dolente e longínquo... Levanta-se, olha pro mar que mais uma vez a devolveu e pensa que agora já sabe onde ele se escondeu todo esse tempo. Sorri para seu umbigo e decide viver.

albanegromonte

Nenhum comentário: