setembro 10, 2006

A Matilde Urrutia


minha muito amada,
grande padecimento tive ao escrever-te estes malchamados sonetos
e bastante me doeram e custaram
mas a alegria de oferecê-los a ti é maior que uma campina.
Ao propô-lo bem sabia que ao costado de cada um,
por afeição eletiva e elegância,
os poetas de todo o tempo alinharam rimas
que soaram como prataria, cristal ou canhonaço.
Eu, com muita humildade, fiz estes sonetos de madeira,
dei-lhes o som desta opaca e pura substância
e assim devem alcançar teus ouvidos.
Tu e eu caminhando por bosques e areais,
por lagos perdidos,
por cinzentas latitudes recolhemos fragmentos de pau puro,
de lenhos submetidos ao vaivém da água e da intempérie.
De tais suavíssimos vestígios construí
com machado, faca, canivete estes madeirames de amor
e edifiquei pequenas casas de quatorze tábuas
para que nelas vivam teus olhos que adoro e canto.
Assim estabelecidas minhas razões de amor te entrego esta centúria:
sonetos de madeira que só se levantaram porque lhes deste a vida.

Pablo Neruda

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