setembro 01, 2006

Partida De Mim

ph Moacir Caetano
quando não se diz adeus, fica o gosto do mal dito, maldito sentimento de coisa inacabada

A cópia da chave dentro de uma gaveta me lembrou quanto de ti ainda havia na casa.
Acendi as luzes, e parti para a longa viagem dentro da nossa história
contada em objetos esquecidos, largados, abandonados...
- que nem eu quando te foste de mim.
Dei um nó na boca do coração,
e o pó destes meses levantou água no lago dos meus olhos.
Roupas que nem te cabem mais, como eu na tua vida.
Bilhetes de geladeira, pueris e inúteis,
joguei num saco preto de lixo junto com os frascos inacabados de perfume
que nem o adeus que não dissemos.
Miniaturas de carros e aviões, empacotei com o cuidado
que não tiveste ao pisar na minha alma.
Caixinha de ferramentas fiquei pra mim
que o homem da casa agora sou eu.
Difícil mesmo foi dividir os cds,
quase tanto quanto te dividir com outra mulher.
Livros, todos meus - eu te contei todos.
Guarda na memória ou aprende a ler.
Fotografias sempre são um problema.
Não há fogo ou tesoura que destrua uma lembrança
Coloquei uma a uma face a face,
assim o tempo se encarregará de
colar, descolorir, dificultar a revisão do passado.
Teu despertador,
um relógio sem ponteiros,
uma notícia recortada de jornal,
o manual do carro,
a bandeira do seu time,
a coleção de revistas, a escova de dentes...
Nas caixas empilhadas no canto da sala,
desencantada já com tua ausência presente,
com meu sorriso de plástico,
com o silêncio palpável dos meses que correm
dentro das noites apressadas e
das cinzas tombadas
nos vãos das lembranças todas
Fita isolante, caneta especial nomeando cada pedaço de memória.
Espinho cravado na garganta.
Grito de saudade preso no orgulho.
Elevador subiu sozinho.
Desceu com tudo e comigo,
peito arrebentando de dor.
Mala do meu carro aberta que nem a boca de uma vidente
a dizer que tudo ia mesmo terminar um dia
Cada caixa que entrava martelava minha lembrança mais recente
- o último beijo,
o primeiro abraço,
os dias felizes,
as turbulências,
as partidas e chegadas,
o teu cheiro, tua voz, teu sorriso,
teu jeito de andar, tua indiferença,
tuas manias, teu olhar depois do amor,
a filha que não fizemos,
meu nome na tua boca,
o chamado, o quase retorno,
uma boneca de pano,
o sopro do dragão no meu ouvido
mandando parar com isso.
Porta de outra casa.
Tudo posto no chão
"faz favor entregar a..."
E só me restou dançar um tango argentino
na areia da praia,
enquanto os aviões decolavam sobre a minha cabeça
me falando de partidas necessárias
O sol de leve se ia
e a maré alta formava ondas
que logo mais se banhariam de luar
Vento jogou areia nos meus olhos
- foi a desculpa para chorar
o tanto que não consegui
no dia em que nosso amor desapareceu.
E tu sabes, desaparecido não é morto
sempre há esperança de um resgate
-mas hoje reconheci o fato,
o corpo frio e inerte deitado no meu peito,
era mesmo aquele amor de antes
Sepultei-o com honras de rei
que foi por dias incontáveis
E me vesti de preto
escureci o coração e o olhar.
Agora espero o luto se esvair pelos dias
que faltam no calendário do Destino
para que eu possa enfim
saber que te esqueci.

albanegromonte

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