setembro 10, 2006

Borges e o Amor


É o amor.
Terei de me esconder ou fugir.
Crescem as paredes de seu cárcere, como em um sonho atroz.
A bela máscara mudou, mas como sempre é a única.
De que me servirão meus talismãs:
o exercício das letras, a vaga erudição,
o aprendizado das palavras
que usou o áspero Norte para cantar seus mares e suas espadas,
a serena amizade,
as galerias da Biblioteca,
as coisas comuns,
os hábitos,
o jovem amor de minha mãe,
a sombra militar de meus mortos,
a noite intemporal,
o gosto do sonho?
Estar contigo ou não estar contigo é a medida de meu tempo.
O cântaro já se quebra sobre a fonte,
já se levanta o homem à voz da ave,
já escureceram os que olham pelas janelas,
mas a sombra não trouxe a paz.
É, eu sei, o amor: a ansiedade
e o alívio de ouvir tua voz, a espera e a memória,
o horror de viver no sucessivo.
É o amor com suas mitologias,
com suas pequenas magias inúteis.
Há uma esquina pela qual não me atrevo a passar.
Agora os exércitos me cercam, as hordas.
(Este quarto é irreal; ela não o viu.)
O nome de uma mulher me delata.
Dói-me uma mulher por todo o corpo.

Jorge Luis Borges, em "O Ameaçado".

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