agosto 27, 2006

Cinema 2

Chet Baker & His Sax
experiência beat após a leitura de Cinema 2 by Eduardo Barrox


é de manhã na américa o cio... abro a janela e fecho a porta, pois sem tua voz por aqui, ainda que sonhada, nada tem direção e nem mesmo as cortinas se descortinam, apenas se entregam às traças e se arruínam no pó da velha fita de filme noir que alguma beat person, imaginou fazer e saiu colando cenas de Tarantino, Kubrick e Jerry Lewis... ah, mas eu queria mesmo era te alcançar através dessa estrela que teima em brilhar no céu do meu ainda límpido olhar que o selvagem mundo não corrompeu. mas meu coração está corrompido, bêbado e viciado nesta coisa de ouvir música ao longe e acreditar que Morrison e Rimbaud são o mesmo poeta e que ninguém morreu naquele edifício tombado num longínquo setembro negro de tanto horror, que se repete porque o bicho homem quer, numa estação de metrô na fria London da música que o Caetano escreveu quando estava no exílio. mas eu dizia que a mulher-menina fumava compulsivamente, enquanto a taça de vinho tinto desmaiava sobre o altar de mármore, lentamente, como se fosse o sangue do Cristo que não sofria, mas sorria braços abertos e coloridos para um mundo que seria diferente pois Adão e Eva teriam decidido ser amigos e a serpente, transformada na prostituta atávica, se trocava na janela em frente, enquanto o poeta lusitano se quedava diante do cinema 2 que um paulista doido varrido embaixo do tapete do hospício escreveu enquanto ia de bicicleta pro dentista no outro lado da cidade. e que cidade grande é São Paulo. Iorque tupiniquim com seus artistas práticos e plásticos, cidade de pedra e almacoração, onde se sonha que um dia, será criado o raio que purificará o céu, e enfim estes artistas que zanzam pelas praças com seus jornais possam ver as estrelas e o luar que eu vi quando voltei um dia pro sertão onde ser tão bobo é bom. e o andarilho descalço na minha caneca toma comigo as palavras de um livro maldito chamado o coração das trevas que leio enquanto espero o telefone tocar, e escondo a capa pra ninguém saber que eu sei que todo o universo cabe numa casca de noz, e quem disse isso foi o Joseph Conrad. aí, eu ouço no rádio que um pedreiro bêbado foi encontrado morto dentro do concreto desarmado numa rua antiga da minha cidade... penso que se eu fosse o Chico eu fazia agora mesmo uma superprodução chamada Construção e filmava todo em P&B, deixando só o sangue do operário em vermelho bem vivo, da cor do vinho tinto que se espalha pelas minhas veias e como os pequenos raios que borram o ex-branco dos meus olhos que agora, depois que te conheceram, reaprenderam a chorar de esperas insensatas e incautas, tantas vezes avisadas pelos magos de plantão e pelos anjos expulsos do Paraíso por acreditarem em amor e beijonaboca. com língua e tudo. quanto tempo vai levar minha alma pra ser vendida pela tua indiferença ao primeiro personagem de crônica barata que nem se lê de tão comoventemente depressiva. que segredos terei que revelar até que meus nervos se soltem dos músculos e meu corpo atormentado seja liberto deste bemquerersemquerer... mas eu dizia que ia fazer um cinema 3, e me surgiram estas abarrotadas palavras sem fé, que se lançaram tristemente nesta tela tola de um computador que se chama Jorge e se alguém perguntar o porquê eu vou ficar sem saber se pelo Borges ou pelo Santo que nem é mais Santo nem nada, e que pretende matar o dragão que cavalgo em pêlo, pelas pradarias de Tupã e Odin. Vade retro! Tela vazia, pois o cinema 2 acaba nele mesmo, naquela cena em que a mulher dorme ao lado dele na cabine elétrica do carro em alta velocidade, com o vento a carregar as notas do sax de Bird, e ele balbucia um verso de Ferlinghetti pra não esquecer que também é poeta. Corta! Ele vasculha a bolsa dela, à procura de um cigarro pra voltar a fumar, sorri meio cínico e pensa que também foi corrompido no fim de tudo. Letreiro descendo. Angelina Jolie, Edward Norton, Sean Penn e James Bond. Música incidental da cena dela de olhos abertos beijando uma mulher. Antonio Banderas, Keanu Matrix Reeves, Anjelica Houston e A Pantera Cor-de-Rosa De repente, um fado, e a puta portuguesa sorri pro Poeta e lhe lança um beijo através da vidraça. Aí já começa outro filme.

albanegromonte

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