agosto 20, 2006

Bilhete Suicida


"Você me fala de narcisismo, mas eu respondo que é uma questão da minha vida..." Artaud

"Nesta hora, permita-me deixar de alguma maneira as sobras para minhas filhas e suas filhas..." Anônimo

É melhor, apesar dos vermes falando
com os cascos da égua no campo;
é melhor, apesar do período das moças
pingando seu sangue;
é melhor de algum jeito
eu me jogar rápido num velho quarto.
É melhor (alguém disse) não nascer
é melhor ainda não nascer duas vezes
aos treze
onde o colégio interno,
cada ano um quarto, pegou fogo.
Querido amigo,
Vou ter que afundar com centenas de outros num elevador de pratos para o inferno.
Vou ser uma coisa leve.
Vou entrar na morte como a lente de aumento perdida de alguém.
A vida está meio aumentada.
Os peixes e as corujas estão raivosos hoje.
A vida balança pra frente e pra trás.
Nem as vespas conseguem achar meus olhos.
Sim, olhos que já foram imediatos olhos que já foram despertos de verdade,
olhos que contavam a história toda pobres animais burros.
Olhos que foram vazados,
cabecinhas de prego,
tiros azul-claro.
E uma vez com a boca como uma xícara,
cor de argila ou cor de sangue,
abriam como uma barragem para o oceano perdido
e abriam como a forca para a primeira cabeça.
Uma vez minha fome era de Jesus.
Ah minha fome!
Minha fome!
Antes de ficar velho ele andou calmamente por Jerusalém procurando a morte.
Desta vez com certeza não peço compreensão
e ainda espero que todos os outros se voltem
quando um peixe não-treinado pular na superfície do Lago Echo;
quando o luar, sua nota grave elevada,
ferir algum prédio em Boston,
quando os belos de verdade jazerem juntos.
Eu penso nisso, claro,
e pensaria nisso muito mais se não estivesse...
se não estivesse naquele velho fogo.
Eu poderia admitir que sou só uma covarde choramingando
eu eu eu
sem mencionar as mosquinhas,
as traças,
obrigadas pelas circunstâncias a chupar a lâmpada.
Mas certamente você sabe que todo mundo tem uma morte,
sua própria morte, esperando.
Então vou agora, sem doença ou velhice,
descontrolada mas precisa,
sabendo minha melhor rota,
andando naquele burro de brinquedo
que montei esses anos todos, sem jamais perguntar
“Pra onde vamos?”
Nós íamos
(ah, se eu soubesse)
Pra isso.
Querido amigo, por favor não pense que eu visualizo guitarras tocando
ou meu pai arqueando seu osso.
Não espero nem a boca da minha mãe.
Eu sei que já morri antes
_ uma vez em Novembro, outra em Junho.
Que estranho escolher Junho de novo,
tão concreto com seus peitos e ventres verdes.
Claro que as guitarras não vão tocar!
As cobras certamente não notarão.
Nova York não vai ligar.
À noite, os morcegos vão bater nas árvores,
sabendo de tudo,
vendo o que sentiram
o dia todo.

Anne Sexton.

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