Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira
8 comentários:
Que maravilha de texto... uma forma solene de ver a morte. Como ela é natural e com naturalidade.
Beijos
Morrer assim. Com um convite.
vou tentar.
Vejo seu retrato como se eu
já tivesse morrido.
Grinaldas batem continência.
Livre na sua memória escolho a forma
que mais me convém: querubim
gaivotas blindadas
suave o tempo suspende a engrenagem
Do outro lado do jardim já degusto
os inocentes grãos da demência.
Trago comigo um retrato
que me carrega com ele bem antes
de o possuir bem depois de o ter perdido.
Toda felicidade é memória e projeto.
Eu investi, em um diálogo dos textos e das escolhas. Um Cacaso para continuar o José Gomes Ferreira. Que tal?
Continue... e aquela coisa toda. Com beijos.
Uma eutanásia romântica!
(desculpe a palavra eutanásia, tira toda a poesia do texto)
Utena, é realmente um belo texto, e quem nos dera encarar assim, esta senhora...
Beijos
M.
Espero ter chegado a tempo!!!
Não é convite para você.
Beijos
Djabal, não conhecia este.
Mais um presente que me dá.
Tentarei continuar à caltura.
Beijos e toda aquela coisa.
Ivan, a palavra escrita por alguém que traz a poesia na ponta dos dedos, jamais soará indevida.
Concordo com você. É mesmo uma emulação da temida-desejada Eutanásia.
Isso já vale um escrito, não acha?
Beijos
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