março 25, 2008

A Morte de Lindóia (Canto IV)




Este lugar delicioso, e triste,

Cansada de viver, tinha escolhido

Para morrer a mísera Lindóia.

Lá reclinada, como que dormia,

Na branda relva, e nas mimosas flores,

Tinha a face na mão, e a mão no tronco

De um fúnebre cipreste, que espalhava

Melancólica sombra. Mais de perto

Descobrem que se enrola no seu corpo

Verde serpente, e lhe passeia, e cinge

Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.

Fogem de a ver assim sobressaltados,

E param cheios de temor ao longe;

E nem se atrevem a chamá-la, e temem

Que desperte assustada, e irrite o monstro,

E fuja, e apresse no fugir a morte.

Porém o destro Caitutu, que treme

Do perigo da irmã, sem mais demora

Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes

Soltar o tiro, e vacilou três vezes

Entre a ira e o temor. Enfim sacode

O arco, e faz voar a aguda seta,

Que toca o peito de Lindóia, e fere

A serpente na testa, e a boca, e os dentes

Deixou cravados no vizinho tronco.

Açouta o campo co'a ligeira cauda

O irado monstro, e em tortuosos giros

Se enrosca no cipreste, e verte envolto

Em negro sangue o lívido veneno.

Leva nos braços a infeliz Lindóia

O desgraçado irmão, que ao despertá-la

Conhece, com que dor! no frio rosto

Os sinais do veneno, e vê ferido

Pelo dente sutil o brando peito.

Os olhos, em que Amor reinava, um dia,

Cheios de morte; e muda aquela língua,

Que ao surdo vento, e aos ecos tantas vezes

Contou a larga história de seus males.

Nos olhos Caitutu não sofre o pranto,

E rompe em profundíssimos suspiros,

Lendo na testa da fronteira gruta

De sua mão já trêmula gravado

O alheio crime, e a voluntária morte.

E por todas as partes repetido

O suspirado nome de Cacambo.

Inda conserva o pálido semblante

Um não sei quê de magoado, e triste,

Que os corações mais duros enternece.

Tanto era bela no seu rosto a morte!

Basílio da Gama

6 comentários:

Unknown disse...

Como é gostoso relembrar os tempos de Basilio da Gama, e suas imagens. Ele trai a sua origem européia, colocando um cipreste em nossa selva, mas não trai o nosso sentimento ao relatar um episódio triste como esse. Parabéns minha cara pela homenagem. Deixando a tristeza no texto, livramo-nos dela por alguns momentos. Bjs.

Alexandre Kovacs disse...

Obrigado pela sua resenha de poeta para "Meu Nome é Vermelho" lá no meu mundo. Quem dera eu conseguisse escrever com tanta sensibilidade e empolgação.

Lady Cronopio disse...

Pois é, Djabal...
Saudosismo a toda prova!
Grata pela visita.
PS: Você leu o post de Cervantes?

Lady Cronopio disse...

Alexandre!
Assim você me deixa sem jeito, ora...
Beijos

Unknown disse...

Sim, li e gostei muito confesso, fiquei encabulado de falar alguma coisa por compreender-me um cabotino de primeira, caso o fizesse. Concordo com o Alexandra, você, de fato, é muito sensível e empolgada. Agradeço demais o tempo que você dedicou a mim. Bjs.

Lady Cronopio disse...

Agora eu fiquei encabulada.
Ora, pois...
Beijos.
E aquela coisa toda