
Este lugar delicioso, e triste,
Cansada de viver, tinha escolhido
Para morrer a mísera Lindóia.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva, e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um fúnebre cipreste, que espalhava
Melancólica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim sobressaltados,
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamá-la, e temem
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caitutu, que treme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira e o temor. Enfim sacode
O arco, e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia, e fere
A serpente na testa, e a boca, e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açouta o campo co'a ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.
Os olhos, em que Amor reinava, um dia,
Cheios de morte; e muda aquela língua,
Que ao surdo vento, e aos ecos tantas vezes
Contou a larga história de seus males.
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto,
E rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado
O alheio crime, e a voluntária morte.
E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado, e triste,
Que os corações mais duros enternece.
Tanto era bela no seu rosto a morte!
Basílio da Gama
6 comentários:
Como é gostoso relembrar os tempos de Basilio da Gama, e suas imagens. Ele trai a sua origem européia, colocando um cipreste em nossa selva, mas não trai o nosso sentimento ao relatar um episódio triste como esse. Parabéns minha cara pela homenagem. Deixando a tristeza no texto, livramo-nos dela por alguns momentos. Bjs.
Obrigado pela sua resenha de poeta para "Meu Nome é Vermelho" lá no meu mundo. Quem dera eu conseguisse escrever com tanta sensibilidade e empolgação.
Pois é, Djabal...
Saudosismo a toda prova!
Grata pela visita.
PS: Você leu o post de Cervantes?
Alexandre!
Assim você me deixa sem jeito, ora...
Beijos
Sim, li e gostei muito confesso, fiquei encabulado de falar alguma coisa por compreender-me um cabotino de primeira, caso o fizesse. Concordo com o Alexandra, você, de fato, é muito sensível e empolgada. Agradeço demais o tempo que você dedicou a mim. Bjs.
Agora eu fiquei encabulada.
Ora, pois...
Beijos.
E aquela coisa toda
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