abril 04, 2008

Caminhos No Espelho



E sobretudo olhar com incidência. Como se nada se passasse, o que é certo.Mas a ti quero olhar-te até estares longe do meu medo, como um pássaro no limite afiado da noite.Como uma menina de giz cor-de-rosa num muro muito velho subitamente esbatido pela chuva.Como quando se abre uma flor e se revela o coração que não tem.Todos os gestos do meu corpo e voz para fazer de mim a oferenda, o ramo que o vento abandona no umbral.Cobre a memória da tua cara com a máscara daquela que serás e afugenta a menina que foste.A nossa noite dispersou-se com a neblina. É a estação dos alimentos fritosE a sede, a minha memória é de sede, eu em baixo, no fundo, no poço, bebia, recordo.Cair como um animal ferido no lugar de hipotéticas revelações.Como quem não quer a coisa. Nenhuma coisa. Boca cosida. Pálpebras cosidas. Esqueci-me. Dentro o vento. Tudo fechado e o vento dentro.Sob o negro sol do silêncio douravam-se as palavras.Mas o silêncio é certo. Por isso escrevo. Estou só e escrevo. Não, não estou só. Ha alguem aqui que treme.Ainda que diga sol e lua e estrelas refiro-me a coisas que me acontecem.E o que desejava eu?Desejava um silêncio perfeitoPor isso falo.A noite parece um grito de lobo.Delícia de perder-se na imagem pressentida. Levantei-me do meu cadáver, fui á procura de quem sou. Peregrina, avancei em direcção àquela que dorme num país ao vento.A minha queda sem fim na minha queda sem fim onde inguém me esperava pois ao descobrir quem me esperava outra não vi senão a mim mesma.Algo cai no silêncio. A minha palavra foi eu embora me referisse à aurora luminosa.Flores amarelas constelam um círculo de terra azul. A água treme cheia de vento.Deslumbramento do dia, pássaros na manhã. Uma mão desata as trevas, arasta a cabeleira da afogada que não cessa de passar pelo espelho. Volto à memória do corpo, hei-de regressar aos meus ossos de luto, hei-de compreender o que a minha voz diz.

Alejandra Pizarnik

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