
Dizer Escuro
Tal Orfeu toco
nas cordas da vida a morte
e na beleza da terra
e dos teus olhos que mandam no céu,
só sei dizer escuro.
Não esqueças, que também tu, de repente,
naquela manhã, com a cama
ainda molhada de orvalho e o cravo
a dormir no coração,
viste o rio escuro
a passar por ti.
Com a corda silêncio
tensa na onda de sangue,
agarro o teu coração.
Tuas madeixas mudavam,
tornavam-se cabelos de sombra da noite,
flocos negros de treva
nevavam no teu rosto.
E eu não sou tua pertença.
Ambos nos queixamos já.
Mas tal Orfeu sei
na borda da morte a vida,
e azula-se-me
o teu olhar para sempre fechado.
Ingeborg Bachmann
25 de Junho de 1926, Klagenfurt, Austria - 17 de Outubro, 1973 Roma, Itália
Escritora, poeta e ensaísta austríaca.
Foi membro do Gruppe 47 - Grupo 47 do pós-guerra. A linguagem poética como possibilidade de iluminação, contra os horrores do mundo.
Com este ar blasé de estrela de cinema europeu, nem de longe, Ingeborg, parecia a profunda criatura que era, envolta em lembranças de atritos com o pai (fato que remete a Kafka na sua "Carta Ao Pai"), ao aspecto político-denunciador da sua obra, e aos temores íntimos que ensombreciam por vezes seu olhar.
Ingeborg por ironia do destino, ou como se queira denominar a força que torce os caminhos projetados, teve na sua morte por queimaduras, quando caiu com um cigarro aceso no banheiro e desmaiou, o desafio da dúvida. Pensaram os amigos: "Como?" Sim, ela poderia ter se acordado com a dor das queimaduras, não estivesse com alguns calmantes e alcool em sua corrente vital.
Assim é que nesta, como em tantas outras que passaram ou passarão, a Morte, a Loucura e sua confraria, aproxima-se assustadoramente da Arte.
PS: Propositalmente, escolhi um poema de amor para ilustração, pois é o lado menos divulgado da poeta
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