outubro 23, 2006

Lista de Preferências

Bertolt Brecht

Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.
Casos, os inconcebíveis.
Conselhos, os inexeqüíveis.
Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.
Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.
Domicílios, os passageiros.
Adeuses, os bem ligeiros.
Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.
Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.
Cores, o rubro.
Meses, outubro.
Elementos, os fogos.
Divindades, o logos.
Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.

outubro 12, 2006

E Se Eu Fosse Você?



ela chega.

e toma espaço, como se fosse rainha de reino perdido em madrugadas infindas.

seu cheiro me corta a alma

e não sei ainda se a tomo nos braços ou se escuto seus trinados

em notas afoitas jogando as palavras que sempre soube

ar afora me tirando o ar do peito

que por hora se abre pro abraço dela

que tem um sabor de meninice

que mal combina com os vincos que a vida lhe pôs nos cantos dos lábios pintados

que eu queria despintar, desarrumar, morder e beijar

até que ela, cansada baixasse a guarda, o cós da calça apertada em suas coxas grossas e estranhamente esguias

e dissesse "faz amor comigo"

e olho, pelo canto do olho espantado

que ela é vento nordeste que balança alma&corpo

que é promessa de alegria que tem gosto de fruta madura

que tem mãos de fada

e corpo de peixe moreno saindo do mar que ela diz, passar na frente da sua janela.

quando me escreve tolices, ou me conta ao telefone da saudade que tem de mim.

e ela, furacão de asas pousa em minha mente e se larga que nem polvo,

me alcançando com seus oito braços me cantando canções de sereia

e eu, que nunca pretendi ser Ulisses

me rendo a este querer absurdo,

e a quero cada vez mais aqui perto,

o mais perto possível das minhas mãos pra prosseguir

no decifrar da sua pele tão macia

que nem sei a que fruta me remete a me agoniar os dias

a me fazer pensar que ela pode mesmo ser, como diz,

com o peito (e que peitos) cheio de orgulho:

"eu sou a última. a que veio pra ficar"

e me rendo a sua sem vergonha cara de quem me quer mesmo pra valer

e espero a volta dela nua,

na minha cama pra aprender a ser mulher.

albanegromonte

Da Série Colibri

sim.
confesso meu medo deste querer.
me encontraste assim, em abandono alma gelada,
coração ateu
e com que ternura me tomaste um beijo
e trouxeste canções antigas a meus ouvidos,
me fazendo crer que é possível ser um tantinho feliz.
e jogaste pétalas nos paralepípedos molhados,
me acenando com lenço branco a paz há tanto perdida em insondáveis caminhos
que o destino, mestre dos disfarces me fez trilhar anos a fio.
e quase me abandonei em ti,
quando o calor das tuas mãos me derrubavam as muralhas,
portas e janelas da alma entontecida em taças de vinho nas noites insones,
e destas, só sobrou meu poema largado no teu peito de homem.
sim.
confesso meu medo deste querer,
que sem querer cresce em mim.
flor que colibri amado,
redescoberto em nuvens de algodão beija&beija cada dia mais
e é nestes dias mais que passo sem te ver
percebendo no céu quantas turbinas e aeronaves partem pra qualquer lugar
sem me levar, sem te trazer
o quanto queria estar bem do teu lado.
sim. além do medo,
ainda sinto teu último úmido beijo na minha boca,
teu último abraço marcando minha pele.
coisas que me fazem tremer à noite na cama
quando fecho os olhos
e é teu sorriso que me acalma o fogo perene
desta paixão que me escorre pelo corpo afora
como se me estivesses por dentro.
e se não houvesse o medo de ser feliz outra vez.

albanegromonte

Da Série Colibri

Retalho de uma carta de amor, não enviada e que como todas as cartas de amor,
É ridícula. assim dizia o Poeta.
amém

"... mas esse teu riso solto quando falo do meu sentir e querer te ter ao alcance das mãos, nem chega a me entristecer, pois sei que no fundo do teu coração, sabes que é verdade, sim, que tenho saudades de ti quando vejo o mar que passa diante da minha janela alma do mundo inteiro que cabe numa casca de noz, como disse o Conrad, antes que o outro estudasse anos a fio pra chegar à mesma conclusão. e sabes também, que as estrelas que brilham no méu céu, são mesmo o reflexo do teu olhar que nunca vi tão castanho ou negro, e que o doce sabor do chocolate que rolo na minha língua tem o sabor antigo do teu beijo isolado na minha boca, dizendo sim, vem, seja minha como era no príncipio, quando eu garatujava em paredes virtuais o teu nome razão hoje de ser outra mulher, com mais vontade de ser feliz. sim, e sei também que sabes que hoje, quando não conseguia dormir, era o calor da tua palavra cravada na minha pele, arrepiando o sentir desejar querer estar perto, e me fazendo buscar no mais profundo recanto do corpo, algo que saciasse a minha sede de tuas mãos nas minhas, atravessando meu vestido florido, arrancando-me suspiros criptografados e impossíveis de serem sagrados, mas divinos sim, pois perto do paraíso eu cheguei com alma nua, nervosa e cheia de rubores que nem servem mais em alguém que tanto já viveu. e sei mais, mas de tanto tentar te explicar sem conseguir, vou deixar pro dia em que te encontrar, pra te contar olhando nos teus olhos, o quanto me faz feliz teu existir. e ainda que nada seja feito de nós dois, ficarei sempre com este sabor na pele queimada pelo sol da minha cidade no dia mais quente do século, quando te achei no meio de um sonhar acordada, e me fizeste sentir o que há muito eu nem lembrava existir".

albanegromonte

Pedra de Luz



Ultrapasso o arco

Através da tua íris

E não encontro o tesouro perdido para sempre.

Luna rossa

Brilha sobre o anel de pedrinhas

Iluminando o ser só.

- ausência pode ser presença numa alma que sangra em silêncio.

Cabelos ao vento

Sorriso de plástico no peito.

Baton vermelho

Declarando amor no muro do linho dos lençóis desfeitos

- e ninguém pode ler.

Na esquina do horizonte com teu sorriso

Traço um ponto de fuga

E vou seguindo as pegadas de um tempo feliz.

albanegromonte

Da Série Colibri



inspirado em um poema em prosa do querido Fabrício Carpinejar.

você tem medo de mim. medo de você. medo de se perder quando encontrar meus olhos que sempre o buscaram em viagens interplanetárias regadas a vinho tinto barato que se compra em loja de conveniência. você tem medo de me conhecer, de me sentir o perfume de rosas e petúnias esquecidas num vaso de cristal rachado. você tem medo de não resistir a essa pressão de cheiros que invadirá seu centro do olfato, antes que se perceba que um vidro de perfume se abriu inteiro na bolsa da mulher destrambelhada que desceu do avião. você tem medo de sentir minha mão na sua, remetendo as lembranças a um tempo em que era legal ficar de mãos dadas com uma garota. eu não sou uma garota e não é mais tempo em que era legal ficar assim feito namorados... e você tem medo de reconhecer na minha risada desavisada, um desejo incontido de me calar com um beijo. e desse beijo você também tem medo, pois se minha boca couber direinho na sua e nossas línguas não se desencontrarem na dança dos dentes, eu estarei fincando mais uma estaca em seu peito de vampiro. é, você tem medo de minhas pernas grossas e morenas se enroscando nas suas numa noite qualquer enquanto a chuva canta na sua janela e o gato posto pra fora de casa miar um blues lamentando a futura solidão. você tem medo que suas pernas encontrem lugar no meio das minhas e que sejamos um par durante a noite passada tão rápido, que o sol vai ser um chato ao nos acordar no meio da manhã com solicitações e desenhos geométricos que se farão ver sobre seu lençol branco e amarelo, com tintas e marcas do que fizemos antes. e que medo você tem de me achar mais bonita assim me acordando dengosa e preguiçosa, abrindo os olhos negros bem devagar, espalhando cílios pelo seu rosto e ronronando bom dia, beija-flor... você tem medo de ouvir meu nome nas conversas com amigos, de rezar pra eu ligar todo dia, pra fazer prosa e poesia com você na cabeça o tempo todo e todo o tempo que me for reservado nesta vida, já que, como expliquei outro dia, eu paro em mim, e quando um dia, a indesejada das gentes me chegar, embora não encontre nada pronto, vai me levar só com uma escova de dentes e uma caixinha de rivotril pra acalmar na viagem, nada de mim restará nesse mundo sem porteira, pois não fiz um filho com você, ou sem você, não escrevi um livro nem plantei uma árvore. assim é que você ficará órfão e você tem medo de ser órfão de um amor que você não pediu pra acontecer. você tem medo de sua reação quando meus seios cheios de sinais, sinalizarem sua chegada arrepiando a pele ao redor de tudo que você imaginou existir mas que não teve coragem de acreditar. você tem medo da minha pele queimada de sol, do meu sabor de terra, do meu gostar de telefonemas pela madrugada, como se os dias parassem pois eu estou conversando. você tem medo da saudade que nem sentiu quando eu disser que chegou a hora de partir e nem sei quando a gente vai se ver depois. você tem medo de ter que reconhecer o seu medo e me encarar de peito aberto, coração com vaga na garagem e todos os requisitos que incluem contar pra todo mundo, de se sentir tomado por um desejo por uma única mulher que não poderá ser saciado por corpos e peles mais jovens ou seja lá o que for de beleza que se passa através destas suas lentes magníficas e aliciadoras de sentimentos desvairados, que são seus olhos&retinas. você tem medo, baby, da minha entrega, da minha transparência, da minha força de expressão que colide com sua extrema timidez. você tem medo de sentir ciúmes do meu passado recente e do futuro que possa me surgir. mas com a mão na bíblia eu prometo arrancar esse medo das suas mãos adoradas e depositá-lo num canto qualquer da casa (você vai precisar dele pra atravessar a rua e pra dirigir de madrugada), e mostrar pra você um pouco do meu desvelo, do meu carinho, do meu tesão e do meu querer você só pra ser feliz um pouco, já que nunca tenho nada de muito nesta vida. não tenha medo, que prometo partir na melhor hora, enquanto ainda for gosto de novo, de assombro e de desejo. e quando eu me for, ficará a mais linda lembrança no seu coração tonto ainda, meu riso, minha cor, a palma da minha mão acolhida na sua, minha pele resvalando cores na sua, meu cheiro no travesseiro, na velha camiseta e no cd de cassia eller que vou esquecer de propósito no seu toca discos... don't worry baby, um dia a gente se encontra de novo e acerta o rumo dessa história.

albanegromonte