setembro 11, 2008

Antes de partir...

mergulhar os pés em águas escuras, desconhecidas águas.
romper diques e cercas imperfeitas
colidir com o nada
abraçar-se ao tigre de veludo antes que o poeta o transmute em livro

sentir pelas pernas o sangue que transborda do coração insatisfeito
que
bate bate bate bate
em portas que ninguém abre
(pois não há mais ninguém ali)
coração este
que
apanha apanha apanha
em circuitos alternados de despedidas
(pois ninguém fica muito tempo por ali)

esculpir em aço a flor do desejo quase obsceno
no meio de tanta tragédia, de querer ainda e tanto
ser feliz e sorrir sem virar pelo avesso
o choro guardado anos a fio na garganta
que flerta com o outro fio
(da navalha)

travar toda a dor
num gole de um vinho que avinagrou
de esperar inútil em taça de vidro barato

(cristais estilhaçam no grito e era soprano aquela mulher)

sentir que pulou muito tarde do navio em chamas
e nem o mar
(o infinito aguaceiro ali na frente dos olhos que queimam)
poderá lavar esta alma
que traz ainda em si
a lembrança de nada, de tudo de todos os advérbios
temporais esquecidos

e por que não dizer agora que chegou ao fim
a tinta do bico-de-pena com que escrevo este epitáfio?

"alma esta que tatua em sua veste translúcida
a lembrança do amor que cresceu sem nascer"



albanegromonte

3 comentários:

Unknown disse...

"Como a vista
Dos que sofrem me era dolorosa: um navio tão bravo,
que, sem dúvida, conduzia pessoas excelentes,
Reduzido a pedaços. Transpassaram-me o coração
seus gritos!

W. Shakespeare, in A Tempestade, traduzido por Bárbara Heliodora.

Lady Cronopio disse...

Diga-me: como você consegue extrair estas enormes pepitas?
Sei que o bardo é "O" bardo, mas que coisa...
Ainda que fora do contexto da Tempestade, esvai-se um pouco da gente ao ler este verso.
Sempre eu a me emocionar com suas escolhas.
Aqui ou lá.
Evohé, Djabal.
E aquela coisa toda e tal

Anônimo disse...

alba:
estive aqui na busca de fontes.
um beijo.
romério