abril 23, 2007

Da França


Aquele que olha, da rua, através de uma janela aberta, jamais vê tantas coisas como quem olha para uma janela fechada. Nada existe mais profundo, mais misterioso, mais fecundo, mais tenebroso, mais deslumbrante, que uma janela iluminada por uma lamparina. O que se pode ver ao sol nunca é tão interessante como o que acontece por trás de uma vidraça. Naquele quartinho negro ou luminoso a vida palpita, a vida sonha, a vida sofre. Para além das ondas de telhados, diviso uma mulher já madura, enrugada, pobre, sempre debruçada sobre alguma coisa, e que nunca sai de casa. Pela sua fisionomia, pelas suas vestes, por um gesto seu, por um quase-nada, reconstituí a história dessa mulher, ou antes, a sua lenda, que às vezes conto a mim próprio, a chorar. Se fosse um pobre velho, eu lhe haveria reconstituído a história com a mesma facilidade. E vou-me deitar, orgulhoso de ter vivido e sofrido em outras criaturas. Haveis de perguntar-me agora: -- "Estás certo de que essa história seja a verdadeira?" Que importa o que venha a ser a realidade colocada fora de mim, se ela me ajudou a viver, a sentir que sou, e o que sou?


Charles Baudelaire, "As Janelas".

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