julho 23, 2006

BooK Of DaYs III


Foi para ti e para teus olhos que criei estrelas no céu cinza-escuro onde vez por outra surgia uma lua solitária e carente. Mas estou cansada de magicar teus desejos. Ontem sem nada pra te contar ao chegar em casa, disse quase com descaso, esperando o impacto:- "Soubeste que a ornitorrinca do 201 comprou um brinco de diamantes?" E diante da TV, sem som onde as imagens do replay da Ira de Deus se enroscavam em brutalidade animal, respondeste com ar de enfado:- "Que bobagem, sabes bem que ornitorrincos não tem orelhas!" Aí lembrei que foi uma das primeiras mágicas que te fiz. Inventei bicho de nome esquisito, faltando pedaço, para que tua risada me chegasse em melodia portenha. Sentei a teu lado, sem jeito e ajeitei a mecha de cabelo que caía sobre os meus olhos mudos. E o silêncio de nós ecoou pelas paredes. Um fado em solfejo entrou pela janelamas diante de tamanho vácuo sideral passou adiante. A luz trêmula da TV à nossa frente. Relíquias astecas se alternando com múmias de gatos egípcios e saltos ornamentais de samurais ninjas Reloaded Matrix, ou Revolutions, ao sabor do teu toque nas teclas. Procurei tua mão e me entreguei à memória que trago de ti no canto mais largo e arejado do meu coração bobo-bola-de-sabão. Tequila engarrafada. Dry Martini. My name is Bond. Play it again, Sam. Lufadas de vento frio pelas cortinas envidraçadas. Volteios de desejo em meu corpo nu por baixo do vestido diáfano. Kill Bill, Gary Oldman, Blade Runner, Jude Law in Cold Mountain- que filme! Gattaca, Uma Thurman que é mulher pra mais de metro! O Gato de Botas com o olhar de pedinte qual o meu sobre a tua boca úmida de vinho bebido com a gueixa tropical que se despedia rumo a Paris, quando lá era uma festa. E teu olhar colado no meu braço tatuado. E o grito da rosa laranja na jaula do Tempo.- Ah, Zeus! Onde joguei a chave do cadeado? Cuida que esta rosa morre antes que amanheça e nada mais será como antes, pois quando tudo era o Caos e nem eu, nem tu sabíamos que serámos parte da História, recebemos violetas inertes pra ressucitar. A tua, dorme hoje em vaso de barro, indiferente à monotonia. A minha durou um piscar de olhos, um dia de inseto, o demorar do teu amor dentro de mim. E um pássaro empalhado toca nossa campainha, com os olhos cegos e a garganta sangrando palavras e palavras tantas, que dava pra escrever uma Odisséia em tamanho, um Ulysses em complexidade, um Cortazar em ternura, um Borges em fantasia, um Lorca em rebeldia e mais um tanto de letras que explodiriam o mais hightecnológico brinquedo americano de interconectar pessoas e pensamentos.Tenho piedade deste pássaro petrificado, a quem sobram apenas penas de sangue e palavras a jorrar pela garganta ferida, como cantares antigos de canções medievais ou de bruxas semi-deusas ao redor da fogueira que embalavam os sonhos de princesas que eram, antes de serem tocadas pela lembrança atávica de Lilith, a ciumenta, que ao perder seu amor, transmutou-se em serpente e deu nessa confusão toda que hoje aí existe, de gentes procurando Paraísos Artificiais. E Adão que preferia sua Lua Negra Lilith que sabia das coisas mais que a Santa Eva que só comeu a maçã porque estava mesmo com fome e não pelo querer pecar, ficou mortificado de saudades, mas tinha que obedecer ao Pai. Aí semeou em Eva, Baudelaire e Jim Morrison só pra se vingar assim sei lá de que. E nunca entendo porque as mulheres em Paris se rasgavam em sedas para que Picasso as pintassem, se era tudo orelhas-nariz&olhos... E também noutro dia descobri, pelo dizer de uma poeta das boas, que o escuro do pintor que eu mais gostava, Caravaggio, que na verdade foi o inventor do jogo luz&sombra que se usa hoje nas fotografias e desde o tempo dele que o diabo já sabia e pintava até Cristo que nem numa foto feita em camera digital de muitos megapixels que foi outra palavra que aprendi depois de grande. Ou nem tão grande sou, já que tem tanto assunto nesse mundo, em que só engatinho e tem vacinas que ainda não tomei. Mas os trovões alardeiam o fim do dia, e a rosa laranja agoniza dentro da jaula do Tempo. O Mestre da poeta doce não ouviu o recado na caixa postal do celular negro deixado sobre o altar dos ermitões e sábios intinerantes que rolavam pelas calçadas de uma cidade que tem nome de santo, mas nem é batizada. Estes sábios oravam pelo martírio do Sunday Blood Sunday (quando isso ainda não era nome de música) e também não escutavam nada, além dos gritos de horror das almas espatifadas pelas bombas dos homens-meninos-suicidas que chegaram duas vezes em Setembro. Munique&NY. Hasta la vista, WTC. Fogo, dor, poeira e granito abaixo do chão que onde dizem mora o Demônio com chifres e rabo vermelho. Manitu! Tupã! Xangô! Deuses quaisquer, me ajudem a salvar a rosa laranja que só por ser dessa cor já não nasce outra vez, e eu por castigo reencarnarei mil vezes pra pagar o pecado absurdo de deixar a rosa dos Tempos morrer, enquanto escrevia em grafite nas paredes das cavernas das tribos milenares a profecia de tudo que aconteceu ontem e hoje neste espaço paralelo da minha vida.

albanegromonte

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