dezembro 06, 2013


O Prazer da Escrita


Por que a palavra corça surge em meio a esse bosque escrito?
Para bebericar água da primavera descrita
cuja superfície copiará seu focinho mole?
Por que ela levanta a cabeça; será que ouve alguma coisa?
Debruçada sobre quatro pernas finas emprestadas da verdade,
ela pica até as orelhas sob os meus dedos.
Silêncio - esta palavra também se agita por toda a página
e parte os ramos
que surgiram a partir da palavra "bosque".
De emboscada, definidas para atacar a página em branco,
estão palavras não muito boas,garras de cláusulas tão subordinadas
que nunca irão deixá-la ir embora.
Cada gota de tinta contém um suprimento justo
de caçadores, equipados com olhos apertados por trás de suas vistas,
preparados para mergulhar a inclinada caneta a qualquer momento,
cercar a corça e lentamente apontar as suas armas.
Eles se esquecem de que o que está aqui não é vida.
Outras leis, preto no branco, valem.
O piscar de olhos vai demorar tanto quanto eu disser,
e, se eu quiser, será dividido em pequenas eternidades
cheias de balas, paradas em pleno voo.
Nada vai acontecer, a menos que eu diga.
Sem a minha bênção, nem uma folha cairá,
nem uma lâmina de grama irá se dobrar sob aquele pequeno casco.

Há então um mundo
onde eu governe absolutamente o destino?
Um tempo que eu ligue com cadeias de sinais?
Uma existência tornada interminável sob meu lance?
O prazer da escrita.
O poder de preservação.Vingança de uma mão mortal 


Wisława Szymborska (1923-2012).

2 comentários:

Alexandre Kovacs disse...

Nuvens (Wislawa Szymborska, 2002)

"Para descrever as nuvens
eu necessitaria ser muito rápida —
numa fração de segundo
deixam de ser estas, tornam-se outras."

Grande poeta, ótima lembrança!

Lady Cronopio disse...

Grata pela visita, Kovacs. E mais ainda pelo complemento!
Abraços.