abril 17, 2009

Imitação do Dias




Preciso ler, saber além dos poemas que encontro aqui e ali soltos nas páginas invisíveis da web, que folheio quando o Vento Nordeste acalma minha embarcação que por instantes vaga serena, aguardando as tempestades várias que nos
acorre nestes dias de trovão...
Preciso ler, saber mais deste José das terras d' além mar.
Este trecho do livro Imitação dos Dias, chamou-me ao coração, aquele palpitar gostoso que antecede uma boa leitura.




"Últimos momentos.

Estertor. A Morte escancarou as portas de par em par. Fala-se em voz alta. Já ninguém faz cerimónia. Só a dona da pensão, que desde a véspera choraminga pelos cantos, parece agora alheia ao desenlace que se aproxima. Apoiada a uma bengala lenta, vem acender o fogareiro de petróleo.
– Para ferver a agulha... – principiou a explicar.
Mas cala-se, com hesitação desconfiada de nos ver de repente tão graves.
– Para ferver a agulha... – insiste ainda.
Então, ouve-se lá de dentro um grito rouco... E pronto. Silêncio. O terrível silêncio dos homens inteiriçados que nos une a todos no mesmo nó no coração. O Carlos de Oliveira (transido e cada vez mais pasmado de se morrer assim...). O Mário Dionísio (afinal toda aquela frieza aparente não passa de ternura adiada...). O Joel Serrão (em que até os olhos pararam de rir...). O Armindo Rodrigues (o Armindo dos grandes momentos, dedicação em carne viva...). O Faure da Rosa (mais pálido e com uma espécie de aceitação cortês da nossa morte-morte sem remédio...).
Silêncio. O terrível silêncio dos homens deitados – interrompido apenas pelo rumor da chama votiva do fogareiro de petróleo do 3.º esquerdo..."

in José Gomes Ferreira (1900-1985), Imitação dos Dias (1966; 3.ª edição, 1977).

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