abril 03, 2008

Bilhete





É melhor,

apesar dos vermes falando

com os cascos da égua no campo;

é melhor,

apesar do período das moças

pingando seu sangue;

é melhor de algum jeito

eu me jogar rápido

num velho quarto.

É melhor (alguém disse)

não nascer

é melhor ainda

não nascer duas vezes

aos treze

onde o colégio interno,

cada ano um quarto,

pegou fogo.

Querido amigo,

Vou ter que afundar com centenas de outros

num elevador de pratos para o inferno.

Vou ser uma coisa leve.

Vou entrar na morte

como a lente de aumento perdida de alguém.

A vida está meio aumentada.

Os peixes e as corujas estão raivosos hoje.

A vida balança pra frente e pra trás.

Nem as vespas conseguem achar meus olhos.

Sim,

olhos que já foram imediatos

olhos que já foram despertos de verdade,

olhos que contavam a história toda

pobres animais burros.

Olhos que foram vazados,

cabecinhas de prego,

tiros azul-claro.

E uma vez com a boca

como uma xícara,

cor de argila ou cor de sangue,

abriam como uma barragem

para o oceano perdido

e abriam como a forca

para a primeira cabeça.

Uma vez

minha fome era de Jesus.

Ah minha fome! Minha fome!

Antes de ficar velho

ele andou calmamente por Jerusalém

procurando a morte.

Desta vez

com certeza

não peço compreensão

e ainda espero que todos os outros

se voltem quando um peixe não-treinado pular

na superfície do Lago Echo;

quando o luar,

sua nota grave elevada,

ferir algum prédio em Boston,

quando os belos de verdade jazerem juntos.

Eu penso nisso, claro,

e pensaria nisso muito mais

se não estivesse... se não estivesse

naquele velho fogo.

Eu poderia admitir

que sou só uma covarde

choramingando eu eu eu

sem mencionar as mosquinhas, as traças,

obrigadas pelas circunstâncias

a chupar a lâmpada.

Mas certamente você sabe que todo mundo tem uma morte,

sua própria morte,

esperando.

Então vou agora,

sem doença ou velhice,

descontrolada mas precisa,

sabendo minha melhor rota,

andando naquele burro de brinquedo que montei esses anos todos,

sem jamais perguntar “Pra onde vamos?”

Nós íamos (ah, se eu soubesse)

Pra isso.

Querido amigo,

por favor não pense

que eu visualizo guitarras tocando

ou meu pai arqueando seu osso.

Não espero nem a boca da minha mãe.

Eu sei que já morri antes _

uma vez em Novembro, outra em Junho.

Que estranho escolher Junho de novo,

tão concreto com seus peitos e ventres verdes.

Claro que as guitarras não vão tocar!

As cobras certamente não notarão.

Nova York não vai ligar.

À noite, os morcegos vão bater nas árvores,

sabendo de tudo,

vendo o que sentiram o dia todo.

Anne Sexton

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