outubro 03, 2007

Um Chamado João


"João era fabulista?

fabuloso?
fábula?

Sertão místico disparando

no exílio da linguagem comum?

Projetava na gravatinha

a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?

Um estranho chamado João

para disfarçar, para farçar

o que não ousamos compreender?

Tinha pastos, buritis plantados

no apartamento?

no peito?

Vegetal ele era ou passarinho

sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?

Era um teatro

e todos os artistas

no mesmo papel,
ciranda multívoca?

João era tudo?

tudo escondido, florindo

como flor é flor, mesmo não semeada?

Mapa com acidentes

deslizando para fora, falando?

Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?

sem misturar, sem conflitar?

E de cada gota redigia nome,
curva, fim,e no destinado geral

seu fado era saber

para contar sem desnudar

o que não deve ser desnudado

e por isso se veste de véus novos?

Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelador

e precipites prodígios acudindo

a chamado geral?
Embaixador do reino

que há por trás dos reinos,
dos poderes, das

supostas fórmulas

de abracadabra, sésamo?
Reino cercado

não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria

se lhe perguntavam
que mistério é esse?

E propondo desenhos figurava

menos a resposta que

outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não sei
o nome) ou ele mesmo era

a parte de gente

servindo de ponte

entre o sub e o sobre

que se arcabuzeiam de antes do princípio,
que se entrelaçam

para melhor guerra,

para maior festa?

Ficamos sem saber o que era João

e se João existiu

de se pegar."


Carlos Drummond de Andrade - 22/11/1967

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