"Te perdôo
por te trair...
por te trair...
Chico Buarque
agora você me chega,
olhar enviesado, emudecido e febril
e eu espremendo as laranjas para fazer seu suco
pergunto do dia.
a dureza de sempre, o patrão, o trânsito, você sabe.
me beija na testa, abre a tampa da panela, pergunta sabendo a resposta se fiz caldo verde
lambe a colher que repousa na boca do fogão e joga na pia.
tudo como foi ontem e como será amanhã.
você tira a camisa, seu cheiro de homem penetra em minhas narinas
e absorvo feliz o que vem de você
mas não é tudo como foi ontem.
entre o cheiro do seu suor que se mistura com o perfume amadeirado que lhe dei no último Natal
sinto a doce e orvalhada fragrância de rosas
ajeito os óculos e observo suas costas
um risco fino cor de sangue, atravessa-lhe inteiro
unhas grandes, afiadas e pintadas
se materializam em meu pensamento
e mais perto chego
você se vira e vejo que seu olhar está úmido e seus lábios tensos
tomo a sua mão e pergunto sem palavras o que houve.
você dá de ombros e diz que sim,
foi além do trabalho, da mesa do bar, da batucada com os amigos
tira do bolso uma caixinha prateada e me entrega sorrindo.
abro sabendo o que há.
uma rosa de ouro com pétalas de rubi
me ancoro na cadeira, tiro meu colar e completo o buquê há tantas luas iniciado
você me ajuda a recolocá-lo no pescoço, me acaricia os cabelos
e me convida praa dançar mais uma vez
o tango da sua traição
sigo seus passos quase feliz
tudo foi como ontem e será amanhã
a noite entra na madrugada, acordo em seu peito e sinto o compasso do seu respirar
cubro seus pés
visto uma roupa escolhida há tanto,
recolho o buquê de rosas prêmio
e deixo sobre a cama
no espelho, a minha alma se mostra angustiada
abro a porta devagar e me lanço sem raiva
ao mundo que só vi através dos seus olhos enviesados, emudecidos, febris...
Adeus.
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