dezembro 20, 2007

História passional, Hollywood, Califórnia




Pois de Nelson Rodrigues, todo poeta tem um pouco?



Preliminarmente, telegrafar-te-ei uma dúzia de rosas








Depois te levarei a comer um shop-suey





Se a tarde também for loura abriremos a capota





Teus cabelos ao vento marcarão oitenta milhas.





Dar-me-ás um beijo com batom marca indelével





E eu pegarei tua coxa rija como a madeira





Sorrirás para mim e eu porei óculos escuros





Ante o brilho de teus dois mil dentes de esmalte.





Mascaremos cada um uma caixa de goma





E iremos ao Chinese cheirando a hortelã-pimenta





A cabeça no meu ombro sonharás duas horas





Enquanto eu me divirto no teu seio de arame.








De novo no automóvel perguntarei se queres





Me dirás que tem tempo e me darás um abraço





Tua fome reclama uma salada mista





Verei teu rosto através do suco de tomate.





Te ajudarei cavalheiro com o abrigo de chinchila





Na saída constatarei tuas nylon 57





Ao andares, algo em ti range em dó sustenido





Pelo andar em que vais sei que queres dançar rumba.





Beberás vinte uísques e ficarás mais terna





Dançando sentirei tuas pernas entre as minhas





Cheirarás levemente a cachorro lavado





Possuis cem rotações de quadris por minuto.





De novo no automóvel perguntarei se queres





Me dirás que hoje não, amanhã tens filmagem





Fazes a cigarreira num clube de má fama








E há uma cena em que vendes um maço a George Raft.





Telegrafar-te-ei então uma orquídea sexuada





No escritório esperarei que tomes sal de frutas





Vem-te um súbito desejo de comida italiana





Mas queres deitar cedo, tens uma dor de cabeça!






Me dirás que hoje não, vais ficar dodói mais tarde




De longe acenarás um adeus sutilíssimo



Ao constatares que estou com a bateria gasta.



Dia seguinte esperarei com o rádio do carro aberto



Te chamando mentalmente de galinha e outros nomes



Virás então dizer que tens comida em casa



De avental abrirei latas e enxugarei pratos.



Tua mãe perguntará se há muito que sou casado



Direi que há cinco anos e ela fica calada



Mas como somos moços, precisamos divertir-nos



Sairemos de automóvel para uma volta rápida.



No alto de uma colina perguntar-te-ei se queres



Me dirás que nada feito, estás com uma dor do lado



Nervosos meus cigarros se fumarão sozinhos





E acabo machucando os dedos na tua cinta.



Dia seguinte vens com um suéter elástico



Sapatos mocassim e meia curta vermelha



Te levo pra dançar um ligeiro jitterbug



Teus vinte deixam os meus trinta e pouco cansados.



Na saída te vem um desejo de boliche



Jogas na perfeição, flertando com o moço ao lado



Dás o telefone a ele e perguntas se me importo



Finjo que não me importo e dou saída no carro.



Estás louca para tomar uma coca gelada



Debruças-te sobre mim e me mordes o pescoço



Passo de leve a mão no teu joelho ossudo



Perdido de repente numa grande piedade.



Depois pergunto se queres ir ao meu apartamento



Me matas a pergunta com um beijo apaixonado



Dou um soco na perna e aperto o acelerador



Finges-te de assustada e falas que dirijo bem.



Que é daquele perfume que eu te tinha prometido?



Compro o Chanel 5 e acrescento um bilhete gentil



Hoje vou lhe pagar um jantar de vinte dólares



E se ela não quiser, juro que não me responsabilizo...



Vens cheirando a lilás e com saltos, meu Deus, tão altos



Que eu fico lá embaixo e com um ar avacalhado





Dás ordens ao garçom de caviar e champanha



Depois arrotas de leve me dizendo I beg your pardon.



No carro distraído deixo a mão na tua perna

Depois vou te levando para o alto de um morro



Em cima tiro o anel, quero casar contigo





Dizes que só acedes depois do meu divórcio.



Balbucio palavras desconexas e esdrúxulas



Quero romper-te a blusa e mastigar-te a cara



Não tens medo nenhum dos meus loucos arroubos



E me destroncas o dedo com um golpe de jiu-jítsu.



Depois tiras da bolsa uma caixa de goma



E mascas furiosamente dizendo barbaridades



Que é que eu penso que és, se não tenho vergonha



De fazer tais propostas a uma moça solteira.



Balbucio uma desculpa e digo que estava pensando…





Falas que eu pense menos e me fazes um agrado



Me pedes um cigarro e riscas o fósforo com a unha



E eu fico boquiaberto diante de tanta habilidade.



Me pedes para te levar a comer uma salada



Mas de súbito me vem uma consciência estranha



Vejo-te como uma cabra pastando sobre mim



E odeio-te de ruminares assim a minha carne.



Então fico possesso, dou-te um murro na cara



Destruo-te a carótida a violentas dentadas



Ordenho-te até o sangue escorrer entre meu dedos



E te possuo assim, morta e desfigurada.



Depois arrependido choro sobre o teu corpo



E te enterro numa vala, minha pobre namorada...



Fujo mas me descobrem por um fio de cabelo



E seis meses depois morro na câmara de gás.





Vinícius de Moraes

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