junho 07, 2013
Margarida Ferra
Escreve sempre que precisares de me dizer
que há gelo nas tuas mãos e nas paredes do frigorífico.
Os legumes que trouxe ontem
não sobrevivem a mais do que uma geada,
muito menos nós.
Escreve sempre que precisares, podes
dizer-me outra vez que nunca houve inverno,
que este ano não há verão,
que estamos aqui e não estamos porque não sabemos
se somos nós ou se somos aquelas
quatro pessoas que vão à rua agora,
encontraram a porta certa.
Escreve sempre que precisares, faz
uma lista de compras, uma lista de desejos,
anota todos os pedidos que deixaste
em poemas atrasados.
Escreve sempre que precisares
de mais um postal com selo e carimbo.
Escreve sempre que riscares
na tua agenda mais uma morada.
Sempre que eu precisar vais devolver-me
uma caligrafia rebuscada que não é a tua,
curvas a mais que não fazias na letra d.
Já não há desses manuscritos,
só eu e os carteiros aprendemos a decifrá-los
(e toda a gente sabe que nem isso é verdade).
Vai escrevendo. Sempre que eu precisar,
as frases podem desviar deixas decoradas,
repetidas como as mentiras,
demasiado gastas para serem inócuas.
Margarida Ferra
Aqui
... se fosse por querer, já estaria de volta, mas nem sempre a vontade se faz, quando o desejo se oculta dele mesmo.
então tiro os sapatos, e piso devagar nos tapetes que escolhi por aqui um dia.
faz tanto tempo que nem sei bem como se faz.
arranco dos dedos a palavra que minha alma cansada envia, e sigo cortando as amarras com os dentes.
o espelho onde me via, apaga-se no escuro
e mal me reconheço na minha própria memória.
sou um arremedo de mim.
garatuja infantil com buracos em lugar dos olhos, traço raso em vez de lábios, braços e pernas de palito, cabelos riscados a carvão.
muda, procuro a voz perdida nos dias que se foram.
era eu, uma. vento bom me trouxe a paz.
a outra, esta, retorcida em pàlida lembrança segue em volteios azuis, enquanto se busca nos escombros da guerra que se trava neste meu coração por hora tão sem rumo ao redor de mim.
então tiro os sapatos, e piso devagar nos tapetes que escolhi por aqui um dia.
faz tanto tempo que nem sei bem como se faz.
arranco dos dedos a palavra que minha alma cansada envia, e sigo cortando as amarras com os dentes.
o espelho onde me via, apaga-se no escuro
e mal me reconheço na minha própria memória.
sou um arremedo de mim.
garatuja infantil com buracos em lugar dos olhos, traço raso em vez de lábios, braços e pernas de palito, cabelos riscados a carvão.
muda, procuro a voz perdida nos dias que se foram.
era eu, uma. vento bom me trouxe a paz.
a outra, esta, retorcida em pàlida lembrança segue em volteios azuis, enquanto se busca nos escombros da guerra que se trava neste meu coração por hora tão sem rumo ao redor de mim.
dezembro 28, 2012
Ani Maami
Sim somos.
Alquimistas embaralhados?
Corujas perdidas?
Vampiros ameaçados?
O Sol se vem.
Se é Sol.
Se basta, ele.
A Nós, Trindade, resta o cansaço de Ser
e Estar em qualquer.
Direção ou trilho.
Trem ou Nuvem.
Não sei, e tu?
Quem escoa do Caldeirão a Magia suprema que nos une?
Ah!Mas em ti vamos nos encontrar.
Amanhece aqui deste lado.
O mar arrulha proezas de sereias e tritões.
Netuno se desfaz em galanteios a Iemanjá.
E eu ouço o Galo.
Canta, miserável dos Dias.
canta e me deixa fechar os olhos cansados de tudo.
Pra ver o Nada que se impõe nas letras atordoadas de Tudo
que se vão rede afora
como Poeta que dorme
e a Bruxa que sente
e eu, Mortal ou não?
Acendo a vela negra tinta de sangue violeta
que é a cor mais triste que há.
Disse a Maga, sábia de Julio no
Juego
de Amarelinha.
Evohé, Cortazar.
Salve a Trindade e abençoa em Nós
a secura e a ãnsia de sermos mais que sombras.
Aqui ou Lá.
Onde estão o que o sangue uniu
e eu sem sangue e com dores
me arremeto pra ser
a ponte
O vértice deste triãngulo que se fazem rocas de princesas
e que serei assim
deles o Sal.
Amém.
outubro 27, 2012
Os Três Mal-Amados
João Cabral de Melo Neto
Joaquim:
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas",Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.
outubro 07, 2012
Depois de tanto tempo...
... volto ao meu cantinho, onde me encontro com as palavras, imagens, canções e tudo mais que me emociona...
Foi um tanto de coisas passadas nesse ano de tempestades, trovões e desalinhamento de planetas...
Mas o desejo de estar aqui mais uma vez, é maior que qualquer assombro.
alba
Foi um tanto de coisas passadas nesse ano de tempestades, trovões e desalinhamento de planetas...
Mas o desejo de estar aqui mais uma vez, é maior que qualquer assombro.
alba
setembro 27, 2011
Oração
A flor se inclina através das cercas de metal, busca o fim da solidão.
Antecipa o desejo da mulher que passa, presa nas grades de uma solidão insuspeita.
Um olhar, um clique de camera,
E um súbito desejo nas duas...
Flor e mulher querem ter asas...
Antecipa o desejo da mulher que passa, presa nas grades de uma solidão insuspeita.
Um olhar, um clique de camera,
E um súbito desejo nas duas...
Flor e mulher querem ter asas...
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