setembro 18, 2006

Insanidade Na Madrugada


Estrelas incontáveis
Incendiaram hoje
O céu bilaquiano da minha boca
E eu, que nem sei a cor dos teus lábios
Ouvi os demônios dizendo Amém
À tua língua que docemente passeava pelo fogo
Sem se queimar
Aliviando-me a solidão dos dias.
Acalmando-me os calores das noites insones

E no céu azul-cobalto em fogo
Minha carne tremeu como numa fita de Almodovar
E fui Frida contigo cravado em minha testa
Dando-te o leite da vida
Que em ti, se inicia

Senti frio
Olhei a foto que não é tua
Li teu recado rápido
Te joguei um poema que não fiz, a teus pés que mal
Aprenderam a andar.

Meu poeta maior
Diz num lindo escrito que deixará para amanhã o que precisa fazer hoje.
Eu, que arremedo poesias de coisas aquelas todas que se sabem
Digo que farei hoje
O que não poderei amanhã
Por falta de coragem.
Por medo.
Por covardia.

O aeroporto, meu Deus, é tão perto
E já dizia Bandeira
A solução é mesmo dançarmos aquele tango argentino
Numa praça iluminada por estrelas cadentes e cometas perdidos
No teto dos deuses celtas
Num lirismo medieval
Que tu, menino bonito, me disseste ser este meu nome.
E soltarei os cabelos
E pintarei os lábios
E uma rosa me darás para enfeitá-los
E meu braço no teu abraço
Será o infinito dos dias que tiverem que ser nesta era
Já tivemos outras
Tu sabes.
A bruxa te leu a mão.

Não te quero amanhã, meu menino bonito.
Te quero hoje enquanto sou
Tua dama latina, tua poesia medieval, tua loba que se transforma em um átimo em vampira.
Minha coxa espera teus dentes.
Minha boca o teu beijo.
Meu afago teus cabelos...
Espera por mim?

albanegromonte

setembro 17, 2006

Como Sobrevive-se a Um Poeta Passarinho? Quintana, Teu Nome é Poeta!


Obsessão do Mar Oceano

Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso,
Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.

Mario Quintana

setembro 15, 2006

Lady Cronopio Num Dia Distante


Pedra de sal nas pernas molhadas de mar, rosa amarela flutuando nos cabelos negros e vestida de nada, ela segue as ondas derramadas na areia. Risca no ar um nome com sua varinha de condão (digo isso, porque ela parece uma fada), lança um desejo e aguarda a Madrinha resolver se entrega de vez a este homem voz, canção e poesia, por quem ela espera há séculos. Na areia, encontra um espelho e se vê com olhos de mulher feita. Já não é mais uma menina, mas traz nos sulcos indefinidos, as marcas de tudo que sentiu neste mundo em que vive há tanto... Cada lágrima, cada sorriso, cada esperança perdida e reencontrada, cada pedaço de vida e nenhum de morte, que desta ela se livrou. Lamenta que o elixir foi-lhe oferecido tão tarde... Lamenta que Ele não tenha tomado também. Sorri um sorriso meio de lado que lhe contorce os lábios vermelhos de desejo. Sabia que o encontraria um dia. Sabia que a vida não se acabaria num fio de navalha covarde, numa noite tão feia, quando Paris era feia, e cheirava a excrementos e sangue humano. Agora que o encontrara, voltava ao mar para exigir a promessa da Madrinha, que por lá e naquele tempo tinha outro nome... Até os deuses mudam. Entra no mar sem medo, mergulha a cabeça nas ondas frias e abre os olhos pra ver... Um cavalo-marinho se aproxima, abre a boca e a beija. Um beijo de água e sal. Um beijo molhado. Um beijo de tudo. Ele se agarra às suas coxas e dissolve saudade em fragmentos de gozo. Ela reconhece o beijo, o abraço, o toque certeiro e sereno de quem sempre soube como ela gosta. Sua cabeça fica tonta, seus braços e pernas se deixam levar pelo peso da sua vontade de se abandonar ali. O seu corpo, a carrega até a superfície. Ela acorda com a brisa da noite tocando seu rosto. Atenta ao silêncio, ouve um assovio dolente e longínquo... Levanta-se, olha pro mar que mais uma vez a devolveu e pensa que agora já sabe onde ele se escondeu todo esse tempo. Sorri para seu umbigo e decide viver.

albanegromonte

setembro 10, 2006

A Matilde Urrutia


minha muito amada,
grande padecimento tive ao escrever-te estes malchamados sonetos
e bastante me doeram e custaram
mas a alegria de oferecê-los a ti é maior que uma campina.
Ao propô-lo bem sabia que ao costado de cada um,
por afeição eletiva e elegância,
os poetas de todo o tempo alinharam rimas
que soaram como prataria, cristal ou canhonaço.
Eu, com muita humildade, fiz estes sonetos de madeira,
dei-lhes o som desta opaca e pura substância
e assim devem alcançar teus ouvidos.
Tu e eu caminhando por bosques e areais,
por lagos perdidos,
por cinzentas latitudes recolhemos fragmentos de pau puro,
de lenhos submetidos ao vaivém da água e da intempérie.
De tais suavíssimos vestígios construí
com machado, faca, canivete estes madeirames de amor
e edifiquei pequenas casas de quatorze tábuas
para que nelas vivam teus olhos que adoro e canto.
Assim estabelecidas minhas razões de amor te entrego esta centúria:
sonetos de madeira que só se levantaram porque lhes deste a vida.

Pablo Neruda

Lady Cronopio Fala...


... hoje não foi um dia fácil
o meu cronópio sumiu na floresta e o chapeleiro não me deu notícias.
Fiquei só na caverna, lendo Cortazar.
E comendo chocolates.

Nunca me canso. Nem de Julio. Nem de chocolates.
Aprendi a subir escadas.

Falta a aprender a desamar.

O amor só faz bem no início. quando acaba é o inferno que se assoma.

E isto nem Julio sabia.

Lady Cronopio

Sobre Feitios Poéticos


"Poesia é uma disciplina tirânica.
Você tem de ir tão longe, tão rápido, em tão pouco tempo, que nem sempre é possível dar conta do periférico.
Num romance talvez eu possa conseguir mais da vida, mas num poema eu consigo uma vida mais intensa." (...)
"Não estou falando de poemas épicos. Falo do poema curto, não oficial. Como descrevê-lo? Uma porta se abre, uma porta se fecha. Entre os dois momentos você tem um golpe de olhar: um jardim, uma pessoa, uma tempestade, uma libélula, um coração, uma cidade...
O poeta se torna um especialista em fazer as malas."

Sylvia Plath