julho 31, 2008

Blow Up


houve um dia.

não era Outono. era Outubro.

eu na cama, penteando os cabelos, desavergonhadamente nua, como se fosse comum entre nós.

aconteceu de estar deitada sobre lençóis azuis&laranjas

janelas fechadas

abajour aceso

incenso no ar.

e no vazio etéreo da minha perpétua loucura

vi Antonioni dirigindo a clássica cena

onde a câmera é a retina do homem.

mas eu não estava de saia azul.

e ele não ficou comigo.



albanegromonte

julho 28, 2008


penso o que há de mim em ti,
arranjo os trapos da alma e me transmuto em princesa
pressinto o tolo coração ambulante
que vende fiapos de luz como se fossem
pedaços de estrelas
previno-lhe, coração, que há perigo.
não há glórias no escancaro,
há finais que desmontam as cenas
e engolem os atores.
previno-lhe, coração: há poeira no rastro de cada cometa
ainda que seja de neon barato
mesmo que se acenda em vermelho na porta de
quarto qualquer de um bas-fond deste século passado,
que passa em dezenas de anos (ou nem tantos assim)
que se acha no breu do céu de uma cidade
que não conheço e nunca mais
feito o filho que não fiz
e que me olha hoje em algum recanto misterioso
residente incauto deste ventre infértil.
salve, salve!

e o que há de ti em mim além
do amargor do fel
do sangue coagulado na cruz
na pedra cristal que repousa no meu umbigo.
ai de ti, coração errante
sombra de Espanha em quixotescos quilombos
de nada que surgiram no meio do mar da África
onde dizem, Deus criou o mundo.
e cá onde estou nem sei mais se é mesmo
o ardor nos olhos
a fumaça de óleo diesel
ou a lágrima que desce pelo fio desencapado desta dor
que se refaz em soltas notas de um velho piano
desafinado que guardo
no desvão do meu quintal.
e não há em mim de ti sequer a lembrança
nem em ti restou de mim o cheiro do amor
que passou.
o último a sair daquela nossa escuridão?
eu.
e acendi a luz

albanegromonte

Pré-Escrita



Esta Saudade
de te chamar pelo nome
Este receio
de te chamar pelo nome

Esta saudade
de manter a palavra
Este receio
de apenas manter a palavra

Esta saudade de uma vida
que não dê em poema
Este receio de um poema
que antecipe a vida.



Ulla Hahn

Antiguidade

Quando me abraças
A luz que de ti vem brilha tanto
Que até preciso de bálsamo nos olhos.
(...)
O mundo todo brilha
O meu desejo é podermos dormir juntos
Como agora, até o fim da eternidade.

Poema de Amor do Egito Antigo

Primeiro Amor


para Gustavo

quisera eu de ti ter sido sempre amor.
ainda que não fossem os laços embaraçados de tempos
que já nem contamos,
seríamos ecos de nossos ensaios em muros caiados
e bilhetes por baixo da cadeira
sim, eu seria tua desde o primeiro bater tambor de coração
e serias meu, sem atalhos ou desventuras.
nas noites e dias que se seguissem
meu peito furacão te envolveria e dos meus braços
serias algemas
nada mais além de nós a nos bastar
sede de mar doce
rio desavisado correndo entre as pernas nossas
embaralhadas no desatinado destino que sempre foi este de agora
(estava escrito)
flores de fevereiro brotando em pés de maracujá
teu olhar sobre o meu
sorriso meu sobre tua boca
e guardando nas mãos o anel de Saturno
te ouviria um dia dizer
meu amor
e quisera eu ter sido sem abismos
sempre este teu.
e estes passados caminhos tortos
trilhas e atalhos incertos
aqui nós no presente
embrulhados no mesmo tecido de sempre:
a pele que guardava na memória
o cheiro e o desejo de ter sido ponte entre os tempos
nós e este amor.
o primeiro último infinito querer.

albanegromonte

julho 17, 2008

Violet


em meu olhar, pousa um rouxinol mudo. em águas turvas entro com pedras nos bolsos da camisa que me cobre o corpo. o mar me chama. a tristeza de mim, empurra cada passo dentro da água pontilhada de estrelas que deviam estar no céu.
Cortazar me disse que a violeta é uma cor triste.
eu acreditei. mas uma violeta viva se atirou de um décimo andar na avenida que olha pro Atlãntico, bem a meus pés, então entendi a tristeza de ser violeta.
é mesmo triste ser tão sensível. a dose a mais ou a menos de cuidado... fere, castiga, rasga e mata.
violeta que sou e nem sabia, me atirei junto com esta me abraçou no último suspiro do décimo andar onde moras e corri pro mar, catando pedras e conchas pelo caminho areado, e jogando nos bolsos da camisa que guarda um coração que só bate por teu existir, e se tu já és morto em mim, não pode mais existir tal coração.
eu e a violeta entramos no mar e acolhidas fomos pela rainha que nos disse bem vindas ao Paraíso, enfim.
morremos.
eu e a violeta atirada da tua janela.

albanegromonte

Sobre Coisas

tive todas as respostas, menos uma que me dissesse de ti o que sentes.
e no azulejo frio do banheiro, derrama-se a espuma do poema que te faria hoje, se não fosse ontem o teu silêncio de tudo.

(pousa na janela um rouxinol.
canta em si maior, a canção mais bela que meus ouvidos treinados em gritos de dor já ouviu nestes tantos anos de noites insones e cheias de sabedoria).

tenho todas as perguntas, menos aquela que me dará a resposta ansiada, desejada.
amaldiçoada pergunta que não chega até a ponta dos dedos que correm furiosos pela tela vazia, pela folha em branco que alça vôo pela janela em direção ao mar.
maldita resposta que te revelará a verdadeira face do desencanto de mim.
maldito querer esse que se chegou quando eu estava tão bem cá no escuro, com frio, morta de medo, mas sem a saudade incômoda do que nunca aconteceu e nem acontecerá.

uma mulher sobe as escadas do prédio arrastando as sandálias quebradas.
ponta de cigarro queima no tapete da sua sala e ela não sabe que morrerá queimada esta noite.
que o som dos tambores acolherá seus gritos de socorro, e antes que o dia termine
seu corpo carbonizado descerá ao Inferno envolto em brumas de um Avalon qualquer.

(diz-se que o Céu ou o Inferno, são a imagem poética que trazemos em nossas mentes desde o principio dos Tempos)

e não há cólera, trovão ou tempestade
que despetale a flor do esquecimento que brota no meu peito cheio de cicatrizes.
punhais de prata e balas de ouro, seguem zunindo meus lábios, e bebo um cálice de Absinto pra esquecer da dor
que é viver.

viver é difícil, perigoso e doloroso.
a vida nunca me foi fácil.
nunca vi Príncipe Encantado, nem tive nada caído do céu.
a não ser chuva, quando eu estava desprotegida e sem dinheiro pro taxi.

tem uma rua em Paris, que eu queria conhecer.
um filme com a Rita Hayworth que eu queria assistir.
um poema de Pessoa que nunca li.
um Cortazar que nunca tive.
mas não há tempo pra distrações.

a vida pesa e me leva pelas tormentas diárias, e
acordar cedo, dormir tarde, ouvir o barulho do motor, ter como carícia no final da noite dez travesseiros sobre a cama que amanhecem inesperedamente entre as pernas, é o que tenho pra correr, pra desesperar, pra me esperar.

a vida, meu amigo, dói pra quem não é santo nem puta.
a vida é revés.
é planta carnívora, esfinge de botequim: decifra-me e te devorarei do mesmo jeito, no final de tudo.
a vida é o prenúncio da Morte.
e a Morte é o descanso do guerreiro sem causa.
é a bandeira branca que se desfralda quando já não se aguenta o torpor, a miséria, a solidão e o sal das lágrimas derramadas já enche um pote de vidro.

a vida se esparrama pela ladeira, quebra os vasos onde guardamos as violetas, e se faz em cores de Almodóvar pelos vestidos de Frida Kahlo.
a vida exige um poema de Bernardo Soares (o heterônimo desprezado).
a vida quer ser filmada por Tarantino, estrelada por Jonh Turturro e Angelina Jolie.
a vida é uma página de jornal onde você lê seu obituário e não acredita que já se passou tanto tempo que você está do outro lado do espelho e o que está sendo vivido e morto agora, é apenas o reflexo invertido da soma das hipotenusas de Einstein, que são tão tristes quanto uma tela de Munch.

a vida, deste lado do espelho é a morte.
irmãs siamesas desde o Caos até o Apocalipse.
e só se desfazem em duas quando sempre foram unas, quando o nó do destino refaz o caminho desta hora até o dia em que você nasceu
e chorou pela primeira vez. como quem já sabia o que lhe esperava neste canto desgovernado, sem eira, sem porteira, nonada de Rosa 50 anos de incompreensão, e sem setas indicativas que é o Planeta Terra.

albanegromonte

Tristeza de Mim



Há amores que nos ensinam a voar. Há amores que nos ensinam a rastejar"

Fabrício Carpinejar



e o que de resto ficou meu caro...
foi este quê de coisa tua, que trago gravado na carne
e que dói, feito ferida recente
quando olho pro lado
e é de ti que vem a brisa do pensamento veloz.
ficou um tanto na casa,
e mais tudo no meu peito.
ficou a cópia da chave do meu encanto,
uma camisa que dobra e esconde meu coração,
uma lembrança que não me deixa continuar
uma canção que não consigo esquecer.
o que de resto ficou,
foi em mim
e na estrada toda ali em frente.
de nada me vale este desencanto, este coração faltando um pedaço, esta canção sem notas
então vou ficando.
o teu desamor me fita por dentro
me acossa
me reptiliza.
e não há paz neste mundo para um coração
que esqueceu suas asas em outro
e que por isso rasteja
pelas noites infames e informes que vão e vêm
no balanço da eternidade por onde gravita
um grande amor

albanegromonte

julho 15, 2008

Cicatriz


Eu era cicatriz.
De amores adaga no peito, bala nas costas, corda no pescoço, água nos pulmões, salto no escuro, lataria contra o muro...
Eu era cicatriz que não parava de sangrar
Era eu este poço de nada
Com todas as dores do mundo dentro
E o peso das histórias nos ombros frágeis e cansados de tanto.
Eu era o atalho pro inferno, a falta de luz na flor que teimava em cumprir a sina de ser viva
Eu não era
Até você em mim aportar
E saber curar-me de minha loucura que era ser cicatriz
Quando o que mais sabia era ser era tua.

albanegromonte

julho 11, 2008

Guatemalco


A Ovelha Negra

Em um distante país existiu há muitos anos uma Ovelha Negra.
Foi fuzilada.
Um século depois, o rebanho arrependido, esculpiu-lhe uma estátua que ficou muito bem
no parque.
Assim, daí por diante, cada vez que apareciam ovelhas negras, eram rapidamente levadas às armas para que as futuras gerações de ovelhas normais pudessem exercitar-se também na arte da escultura.

(tradução caseira de Cronopio)




Augusto Monteroso (1921-2003)

Nascido na Guatemala e tendo vivido no Mexico, observou a fauna deste país e de outros tantos, com olhos de sabedoria, convenceu-se de que "os animais se parecem tanto com o homem que às vezes é impossível distingui-los deste". "Assim surgiu La Oveja Negra E Demás Fabulas"
É deste autor, o menor conto do mundo:
"Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí".

julho 10, 2008

Das Cores


e como da primeira y segunda vez, em meses distantes em números pares e discretamente redondos,
te espero com velas y incensos mais poderosos que a fumaça do teu cigarro. and, sem blues e jazz, pois ainda não sei se dura um poema esta nossa história, deixo que o silêncio fale por mim e te diga que sim. é bom você rasgar o céu no pássaro de plata y me chegar furacão, dizendo obscenidades no meu ouvido e se abrindo inteira para minhas retinas atrevidas de ojos que tudo viram e que mais um pouco não fará nenhum mal.
abro as portas da casa, indico o labirinto que leva até a minha cama.
e você, sem perguntas quaisquer que me façam dizer "que diabos foi isso que eu fiz?", toma banho com óleos dourados que tornam sua pele morena ainda mais macia&cheirosa, beija minha boca aberta e passando a língua na borda da taça de vinho, me diz em silêncio também que sou o que mais quer neste momento.
e posso ouvir seu coração batendo dentro da blusa transparente e diáfana, como o manto com que queria cobrir tua nudez, que agora me incomoda, com tanta firmeza e maturidade, que nem sei mesmo como ensinar o que você diz não saber, mas faz, como se fosse gueixa, puta ou deusa.
e tenho medo de beijar seus pés e de fazer noventa e oito fotografias do teu corpo sereno&calmo depois do gozo que ilumina teus olhos e eu me vejo dentro deles como se fosse o primeiro ou o último homem criado pelo deus crucificado que trazes no pescoço e no umbigo que beijo e bebo como cálice de cicuta dado ao prisioneiro
condenado à morte, para que não sofra com o fogo, com as flechas, com a dor.
e será dor que sentirei quando chegar o dia em que montarás nas asas do pegasus prateado que te levará à cidade do sol, dos rios cortando as ruas, dos mangues, frevos e maracatus?
não sei.
sei que queria ser outro, que pudesse escrever na tua pele um poema destes azulados, calientes e tão vero que te deixasse com vontade de voltar.
mas eu sei, que na roda do calendário haverá um outro dia, em que tua voz me dirá "estoy ca" e tua presença plena de tudo encherá os pequenos vazios que nem sabia existir no meu canto.
e eu certamente acenderei velas y incensos, te darei vinho e chocolate, darei risada do presente estranho que me trouxeres, e brincarei com teus cabelos longos, com tuas coxas grossas e beijarei tua boca com saudade,
e te cobrirei com algum lençol que achar pela casa, para que não andes com alma tão nua.
e não sei se será neste terceiro ou quarto encontro do teu corpo na minha cama, que me renderei a teu encanto, e te darei um solo de joplin, te direi um poema de Chacal, te enrolarei no sudário que guardo há séculos e dançarei só contigo sob a luz da lua e dos olhos dos gatos da rua, a dança das tribos antigas de onde viemos e pra onde voltaremos se eu um dia, decidir te amar.
aí, chegará o dia de tua partida, e eu te pedirei. fica, quero ser feliz em ti.

albanegromonte

Casa Vazia




Poema nenhum, nunca mais,
será um acontecimento:
escrevemos cada vez mais
para um mundo cada vez menos,

para esse público dos ermos
composto apenas de nós mesmos,

uns joões batistas a pregar
para as dobras de suas túnicas
seu deserto particular,

ou cães latindo, noite e dia,
dentro de uma casa vazia.

Alberto da Cunha Melo

Filosofia de Cronopio


" A tinta de escrever, por suas forças de alquímica tintura, por sua vida colorante, pode fazer um universo, se apenas encontrar seu sonhador".

Gaston Bachelard (1884-1962)

Filósofo e ensaísta francês, que se evidencia Cronopio ao dar títulos como estes a seus ensaios...

Psicanálise do fogo (1938),
A Água e os Sonhos (1942),
O Ar e os Sonhos (1943),
A Terra e os Devaneios da Vontade (1948),
O Materialismo Racional (1953),
A Poética do Espaço (1957),
A Poética dos Devaneios (1960)
etc

julho 08, 2008

Das Noites

às vezes penso que é mais uma das artimanhas do Destino, que nunca
pára de querer me preparar armadilhas... noutras, creio que é você, a
metade que me falta para ser inteira e só então poder ser feliz.
...
às vezes, olho pro horizonte e vejo o céu se encontrando com o mar, a
me lembrar a eternidade do Caos que se iniciou num ano qualquer do
século passado, quando vi você através das letras &imagens que se
aventuravam espaço afora e dentro de mim, fazendo folia de carnaval
em Veneza, com máscaras&tudo.
...
penso que você é o que sempre desejei.
que com você, poderei falar de livros&sonhos&insanidades.
que você me verá pelo melhor ângulo e fará a minha fotografia
definitiva que dirá ao mundo quem eu sou.
...
quero que Outubro chegue com suas pálidas folhas caindo das árvores, e
com o frio que fará seu abraço me conter no ritual antigo de pares que
se encontram.
...
precisava de você agora, que meu corpo pede sua presença ainda
desconhecida, mas já tão imaginada que chega a ser real fechar os
olhos e me buscar na solidão do pensamento que vai e vem da minha
cidade pra sua.
vontade de você em minha pele, tatuando de vez esta presença que já
não é mais pensante &imaginante, mas é real no meu desejo, antes morto
e agora ressucitado por sua voz&palavras soltas pelas telas incautas
da trilha diária do imaginário real que o outro dizia ser a verdade
absoluta.
...
o que eu quero mesmo dizer, sem poesia ou ritmo&métrica, numa serena
redondilha, é que estou louca pra sentir você em mim.

albanegromonte